terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Um poema sobre Matosinhos

Destinado ao já referido  concurso,  apresentei também um poema sob o mesmo tema. Aqui, não obtive qualquer classificação. Mas como eu gosto dele, cá vai:



MATOSINHOS


USOS E COSTUMES       -      POEMA



Ai, quem me dera pintar
Histórias aos quadradinhos
Em que, cada pincelada
Mostrasse a história passada
Das gentes de Matosinhos.
Dos seus usos e costumes
Do seu modo de trajar,
Do típico linguajar,
Das lendas e tradições
Dos  amores e ilusões.


Cada quadro uma história
Retirada da memória
E de escritos antigos.
Uns, muito coloridos
Outros, a sépia, esbatidos
Porque a distância no tempo
Muito mais que no espaço,
Em vez de esquecimento
Aviva o sentimento
De orgulho do passado.


Então, num quadro aparecia
O Bom Jesus de Matosinhos
E os milagres que fazia
A quem ali acorria
Em horas de aflição.
Noutro, o mesmo  Jesus,
Mas em hora de alegria
Entre cantares e folguedos
Foguetes a estralejar
Nos dias de romaria.


Outro quadro, dedicava-o
À Senhora da Boa Hora
Rodeada de  fiéis
Em fervorosa  oração
No dia da Ascensão.
E, em fundo, pintaria
A Fonte das Sete Bicas
E bica a bica, bebendo,
Repetia o desejo
Do sonhado casamento.

A Caminho de Santiago,
Com o seu ar medieval,
Está o velhinho Mosteiro
Da Ordem do Hospital.
Para homenagear
O Bailiado de Leça
Pintaria, o casamento real
Ao tempo,  escandaloso,
Da nobre Leonor Teles
Com Fernando O Formoso.

Em Santa Cruz, subiria
Lá ao alto de S. Brás
E no cimo da escadaria
Junto ao Homem da Maça
E também do seu Leão,
Encadeava flores,
Punha-lhe um grande cordão,
De mil cores,
Esperando dele a graça
De me casar neste Verão.



E mais quadros pintaria
Assim chegasse o engenho.
Motivo, não faltaria:
Matosinhenses de antanho,
Pescadores em maioria,
Arriscando  suas vidas
Contra a força desigual
Do Mar, fonte do  sustento,
Mas que, apesar do sofrimento
Eles amam, afinal.

Um conto sobre Matosinhos

Em 2008 compus um conto destinado a um concurso.Até nem me saí muito mal, já que obtive uma menção honrosa.Por isso, ocorreu-me arquivá-lo aqui.


MATOSINHOS - USOS E COSTUMES

Era uma vez...
Assim começam habitualmente os contos, só que este que me proponho contar, era uma vez... há pouco tempo atrás, coisa aí de 50 ou 60 anos...
Era uma vez... no tempo de meus pais
Era uma vez... no tempo de meus avós
e,
Era uma vez... tão distante, que se perde nos tempos.
É que, sendo o tema deste conto “Usos e Costumes de Matosinhos”, sejam de Matosinhos ou de qualquer outro local, os usos e os costumes são assim como a moda, só que, a longuíssimo prazo. Usa-se ou faz-se, durante largos anos, entretanto, a evolução dos tempos encarrega-se de alterar os procedimentos e, quanto mais se avança no tempo, mais rápidas são as alterações.
Tenho por certo que os meus avós viveram de modo muito semelhante, quanto a usos e costumes, dos seus próprios avós, enquanto que os meus pais, rapidamente se afastaram de grande parte desses costumes, dos quais, já poucos chegaram até mim, muito menos chegarão aos meus netos, a não ser que... leiam este conto:

Os Três Golfinhos

Estes Golfinhos têm a particularidade de serem eternos.
Existem desde sempre e não desaparecerão nunca deste oceano que abraça Matosinhos, dando-lhe o sustento e a beleza. Os três Golfinhos sempre cá estiveram:

- No ano de 44 assistiram à milagrosa aventura de Cayo Carpo – a qual, por tão distante no tempo, chega até nós como lenda e, por tão bela, serviu para compor o quadro representativo da origem de Matosinhos.
Aconteceu neste lugar, onde agora é Matosinhos - celebrava-se, junto à praia, entre torneios e grandes festejos, o noivado de Cayo Carpo, o Pallanciano e da jovem Claúdia Loba descendente de um importante pretor romano. Numa das provas de destreza que então se usavam, entrou Cayo Carpo pelo mar adentro, montado no seu cavalo, afastando-se da praia até se perder de vista, indo de encontro a uma nau que vogava no mar alto, onde chegou com o seu corpo coberto de vieiras. Recolhido a bordo, ouviu dos navegantes que vinham da longínqua cidade de Jope, milagrosamente, com apenas sete dias de viagem, transportando para a Galiza o corpo do Apóstolo Santiago que, na terra da Palestina sofrera o martírio por amor da sua religião. Deslumbrado, o cavaleiro, com o que via e ouvia, converteu-se à fé cristã e recebeu o baptismo. Voltando para terra, do mesmo modo como fora, tão espantoso pareceu o caso aos que o viram chegar, são e salvo, que logo se converteram também, abandonando o paganismo e tomando a religião de Cristo.

- No ano de 124 assistiram à chegada da imagem de Jesus Cristo, esculpida por Nicodemus, seu discípulo, que assistiu ao seu martírio e ajudou a despregá-lo da Cruz. Porém, perseguido pelos judeus, lançou ao mar as cinco imagens que esculpiu. Uma delas, vogou pelo Mar Mediterrâneo, passou o estreito de Gibraltar e, entrando no Atlântico, sulcou as suas ondas até aportar à praia de Matosinhos já sem um braço.


- Cinquenta anos eram passados e voltam os três golfinhos a assistir a outro maravilhoso episódio: andava uma pobre e devota mulher pela praia, apanhando marisco e lenha para o fogo, quando, no lugar chamado de Espinheiro, recolheu um pedaço de madeira o qual, lançado ao fogo, milagrosamente saltava fora e, quando colocado na imagem à qual faltava um braço, se lhe uniu perfeitamente. Aqui se operou o primeiro milagre, pois foi a filha da dita mulher, surda–muda de nascença, quem disse que aquele pedaço de madeira era o braço que faltava à imagem. Em memória deste acontecimento foi erigido o padrão do Senhor da Areia ou Senhor do Espinheiro que todos conhecemos hoje por Senhor do Padrão.

Aí se iniciou um dos costumes mais antigos desta terra – a veneração da Santa Imagem – e Matosinhos começou a ser lugar de romagem para inúmeros peregrinos, vindos de todo o norte do país, de Espanha e de França, implorando a graça dos milagres do Senhor Jesus de Matosinhos, a qual, até meados do século XVI foi venerada no extinto Mosteiro de Bouças, até que, em 1550 foi trasladada para a Igreja de Matosinhos e sempre venerada pelos fiéis.
Em 1732 a Igreja de Matosinhos foi remodelada e ampliada, sendo a sua inauguração solenemente celebrada com um tríduo festivo que deu origem à Romaria do Senhor de Matosinhos prolongando assim o antigo costume da veneração, com o dos festejos populares que depressa se tornaram uso dos matosinhenses e não só.

- O adro da igreja era, outrora, palco de um dos usos e costumes mais comentados por minha mãe e avó: tratava-se do “namoro à carreira” como elas diziam, mas também já ouvi alguém referir-se a “namoro em fila”. Não sei qual dos termos é mais correcto, sei sim, que consistia no seguinte: as raparigas solteiras, normalmente lavradeiras vindas das restantes freguesias do concelho, colocavam-se estrategicamente em lugar visível. Os rapazes escolhiam a que mais lhes interessasse e punham-se em fila à espera da sua vez para a namorarem. A conversa versava principalmente sobre as posses dos pais dela - as terras, o gado, os carros de milho, etc. Por sua vez o rapaz, nem sempre dizia a verdade.... por vezes tinha de inventar ou arriscava-se a perder o partido. Isto passava-se na tarde da 3ª feira do Senhor de Matosinhos.

- Vem também de longa data a “feira da loucinha” que começava cerca de um mês antes do início das festas e que passou por diversos lugares, ao longo do tempo – no tempo dos meus avós fazia-se junto ao Palacete do Visconde de Trevões, exactamente onde hoje está a Câmara Municipal. Eu, conheci-a do outro lado, a poente do Jardim de Basílio Teles e tinha um encanto especial, pois, fora os dias de festa, aquele jardim tinha uma iluminação um tanto reduzida, e aquela fileira de barracas enchia de luz o espaço, criando um ambiente propício a passeatas e longas conversas entre amigos.

- Ainda na memória de muitos matosinhenses , talvez até às gerações de 20 e início de 30, está a” festa das panelinhas” que tinha lugar junto à capelinha de Santa Catarina, aquela que fica atrás do antigo Hospital de Matosinhos. Era uma festa muito simples mas que provocava grande entusiasmo - era esticada uma corda entre a capela e o lado oposto da estrada, bem lá no alto, já que a estrada ficava num nível muito mais baixo do que a rua apresenta hoje, nela dependuravam a dita panelinha, de barro, que continha sempre uma surpresa. Os concorrentes corriam estrada acima com grandes varapaus e, precisavam de dar grandes saltos para lhe acertar e parti-la. A surpresa podia ser água, farinha, sal, mas, com sorte, dela podia sair uma pomba.

- Prosseguindo com feiras, festas e romarias era uso e costume, as mães que estavam para dar à luz, irem à romaria da Senhora da Hora para pedir “uma boa horinha”. Por seu lado, moças casadoiras e jovens rapazes iam à Fonte das Sete Bicas beber das suas águas milagrosas que tinham a virtude de fazer com que, os que as bebessem, se casassem dentro desse mesmo ano.
- Nas festas de S. Brás , em Santa Cruz do Bispo, era uso e costume das moças solteiras, colocarem grinaldas de flores à volta do pescoço do “Homem da Maça” e abraçarem-no, pedindo que lhes apressasse o casamento. Quanto aos rapazes, esses, embora com a mesma intenção, despejavam-lhe canecas de vinho por cima ou partiam-lhe garrafas na cabeça dizendo: -“Olha que eu quero casar este ano, ouviste?”
- Leça do Balio era visitada por forasteiros várias vezes no ano, no lugar de Santana: pela Feira de S. José, onde também se usava o “namoro à bicha”, mas aqui, os rapazes, de flor atrás da orelha, improvisavam versos que dirigiam à sua pretendida; pela Feira de S. Miguel, dedicada inteiramente ao gado, que também era conhecida por Feira dos Moços, porque os jovens ali acorriam esperando ser contratados pelos lavradores para os trabalhos na lavoura; e ainda pela Feira de Santana também conhecida por “Feira das Sementes”.

- E em Leça da Palmeira? Dos seus costumes, o que me ocorre é o do “Sol guardado na caixa” porque, apesar de muito antigo, acho que ainda se mantém: no dia da procissão do Senhor aos Enfermos até pode estar um dia chuvoso, mas na hora da procissão sair ... as leceiras abrem a caixa, e o Sol raia.


Voltemos aos três golfinhos da nossa história, sob cujo olhar atento, a povoação de Matosinhos foi crescendo, foi-se desenvolvendo, sempre ligada ao mar e à faina, oscilando entre a alegria das redes pejadas de sardinha cintilante como prata e as tragédias que roubavam a vida àqueles que, com tanto esforço, tentavam ganhar o sustento para os seus.

- Um dos costumes dos pescadores, em tempos em que a pesca se fazia apenas à vela - ainda não havia traineiras – era, quando ocorria um naufrágio ou, simplesmente, o temporal desfazia os frágeis barcos, os pescadores sobreviventes enrolavam a vela da embarcação, colocavam-na aos ombros e, caminhavam em fila, cantando o Bendito, num cortejo fúnebre que tinha por finalidade um peditório que os ajudasse a sobreviver.
E a mulher do pescador?
- Desde tempos imemoriais que a mulher do pescador tinha um lugar preponderante no trabalho pós-pesca; encarregava-se de tudo: esperava o barco, puxava-o para a praia, tomava conta da rede, dividia o peixe, empilhava-o, vendia-o e guardava o dinheiro. Encarregava-se do governo, tanto da casa como dos negócios, com total empenho e eficiência. Mas se a coisa não lhe corria de feição, fazia valer as suas razões discutindo, gritando, praguejando, insultando e, não raras vezes, usando uma mímica muito característica, que eu própria cheguei a presenciar, a qual consistia em acompanhar os palavrões com sonoras palmadas naquele sítio “onde as costas mudam de nome”. Mas, esclarecidas as razões, tudo ficava bem e o trabalho continuava.
Entretanto, com o crescimento da indústria conserveira e dos armazéns de salga em Matosinhos, aí estão de novo as mulheres dando a sua preciosa contribuição para a abundante e apreciável fonte de riqueza de que Matosinhos desfrutou desde a última década do século XIX e que teve o seu tempo áureo durante a primeira metade do século XX.

- Outro costume nas famílias de pescadores era o de não usarem a mesa para as refeições – comiam no chão.
“Uma toalha estendida no soalho, um enorme prato de barro, ao meio, com batatas cozidas - a família, sentada no chão, à volta da toalha, pescava uma batata com um garfo e na outra mão aparecia o peixe sem que eu me apercebesse donde vinha. Recordo-me que fiquei a olhar, sem saber se ia de gatas sobre a toalha buscar a batata, quando alguém me salvou e me trouxe um pratinho, já pronto e uma colher”.
Este é um quadro que permanece na minha memória desde os meus quatro anos de idade pois que, vivendo na Rua Roberto Ivens, mesmo em frente a uma família de pescadores, fui convidada, certo dia, para lá almoçar.
Quando relatei esta aventura à minha mãe ele disse-me que não me admirasse, pois era um costume antigo. Ela própria se recordava que, em pequena, em casa de seus avós, a consoada de Natal era feita no chão.

E os golfinhos? Continuam atentos?
Claro que sim! Mas agora em lugar de destaque - a partir do dia 8 de Novembro de 1933 eles tomaram lugar no Brasão de Armas da, então, Vila de Matosinhos, simbolizando a ligação desta terra ao Mar e onde permanecerão para sempre.

A história dos três golfinhos termina por aqui, mas a ligação entre eles e a nossa cidade não, pois que, outros golfinhos continuam a aproximar-se da nossa costa. Particularmente o Golfinho Gaspar, que nos visitou no último Verão e passou a temporada fazendo as delícias da miudagem.
Quem sabe, daqui a alguns anos, essas crianças terão outras histórias para contar?

FIM