domingo, 22 de novembro de 2009

CAMINHADA MATINAL

Aqui vai o relato das minhas caminhadas matinais na marginal de Leça,aproveitando um pouco de Sol que hoje apareceu

CAMINHADA MATINAL







PARA O FÍSICO EXERCITAR
E O ESPÍRITO AMAINAR,
QUE BOM QUE É CAMINHAR
DE MANHÃ, À BEIRA MAR.

COMEÇO DE SUL PARA NORTE
OLHOS POSTOS NO FAROL
E BENDIGO A BOA SORTE
PORQUE ME PERSEGUE O SOL.

FINDO O TEMPO APRAZADO
VIRO COSTAS AO FAROL
E DE OLHOS SEMI-CERRADOS
CAMINHO DE ENCONTRO AO SOL.

TENHO ENTÃO OUTRA VISÃO:
VEJO A IMENSIDÃO DO MAR,
VEJO O GRANDE PAREDÃO,
E O VELHINHO TITAN ALI, PARA RECORDAR.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Com Leça da Palmeira no coração II

Não é só nos dias soalheiros que Leça mostra a sua beleza.
Num dia de nevoeiro eu vi-a assim:

NEVOEIRO EM LEÇA DA PALMEIRA


SOB O SOL QUENTE, É BELA
SOB O VENTO NORTE, É AGRESTE
MAS SE DE NÉVOA SE VESTE
A NOSSA PRAIA DE LEÇA
FICA TÃO ACOLHEDORA
COMO UM COLO MATERNO.
TUDO SE TORNA REDONDO,
O MAR E O CÉU SE CONFUNDEM,
O LONGE FICA MAIS PERTO,
O SEU ENCANTO, ETERNO.


VEJO-A ASSIM ESTA MANHÃ:
O NEVOEIRO CERRADO
COMPÕE UM QUADRO IRREAL
A PINCELADAS MARCADO
EM QUE A COR PRINCIPAL
É UM TÉNUE MATIZ
QUE NÃO É CINZA NEM BRANCO,
NEM AZUL, NEM ANILADO,
MAS UM LEVE MESCLADO
NUM RESULTADO FELIZ.


MC
12 DE OUTUBRO DE 2008

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Com Leça da Palmeira no coração

Apesar de ter nascido em Matosinhos e de ter muito orgulho na minha terra, gosto muito de Leça da Palmeira onde vivo há mais de 30 anos. Gosto de caminhar pela marginal, especialmente pela manhã. Numa dessas manhãs, ela estava de tal maneira bonita que me inspirou a fazer este poema:

DOMINGO DE OUTONO NA MARGINAL DE LEÇA

NÃO BASTAVA SER POETA
NEM MÚSICO, NEM PINTOR:
ERA JUNTÁ-LOS A TODOS
COM GRANDE DOSE DE AMOR,
COM TINTAS DE CORES BELÍSSIMAS
E PALAVRAS DE RIGOR
QUE GRAVASSEM NUMA TELA
TÃO LONGA QUANTO A VISTA,
A BELEZA QUE SE AVISTA
NESTA MARGINAL DE LEÇA.

FOI ASSIM QUE EU A VI
NESTE DOMINGO DE OUTONO
EM TONS SUAVES, MACIOS,
SOB UM SOL DOIRADO E MORNO.
O MAR, ESSE, NEM MEXIA:
AS ONDAS, TÃO RASTEIRINHAS
ESPRAIANADO-SE NA AREIA
DEIXAVAM RENDAS DE ESPUMA
TÃO DEVAGAR..., QUE PARECIA
TER MEDO DE INCOMODAR.

E OS ROCHEDOS, BRILHANTES
DEPOIS DA ÁGUA PASSAR
SERVEM DE TAPETE ÀS AVES
QUE NELES VÃO DESCANSAR.
SÃO PARDELAS E GAIVOTAS
PERFILADAS, QUAL CORAL
A POSTOS PARA CANTAR,
COMPONDO O QUADRO VIVO
DE UMA OBRA MUSICAL.

AO LONGE, GRANDES NAVIOS
RECORTANDO O HORIZONTE
PARECEM TÃO PEQUENINOS
QUAIS BRINQUEDOS DE MENINOS.
E OS BARQUINHOS À VELA
IMPELIDOS PELA ARAGEM
VOGAM SILENCIOSAMENTE.
E, DE REPENTE, PASSA UMA LANCHA VELOZ,
E UM RASTO DE ESPUMA BRANCA
ACOMPANHA A SUA VOZ.

MC
28 DE SETEMBRO DE 2008

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Avô General - Um conto de sua autoria

A minha principal intenção ao publicar aqui este conto, é que ele seja lido por outros netos, meus primos e primas com quem eu tinha estreita ligação, no tempo de nossos avós e que a distância de cerca de 300Km nos afastou mais do que era suposto.Espero que, desta forma, esta recordação de nossos avós, chegue até eles.



Conforme ele próprio informou, na minha anterior publicação, depois da fase dos bonecos em madeira, começou a escrever um conto.Ia já muito próximo dos 90 anos quando escreveu assim:
DUAS VIDAS

I
Em Matosinhos, Leixões, a poucos quilómetros de distância, em
tempos que já lá vão,existia uma pequena praia de pescadores que se
chamava Angeiras.
O povo que nela habitava era pouco e, para se sustentar tinha a
terra e o mar. Da terra vinham os legumes e do mar vinha o peixe.
Um casal de namorados que pensava em casar,pediu autorização,
a qual lhes foi concedida pelos seus pais, assim casaram e
começaram a construir o seu lar.
Como prenda de casamento a mãe da noiva deu-lhe tudo o que
era necessário para a casa e os pais do noivo deram-lhe um barquinho
para eles poderem ir pescar.
O tempo foi passando e a mulher em certa altura sentiu que estava
grávida e, em determinada altura deu à luz dois gémeos - um rapaz
e uma menina.
Como de costume os pais precisavam de ir ao mar, para trazer
alimento e os meninos ficavam com a avó.
Mas os dias foram correndo, passaram-se meses e a certa altura
a avó achou-se doente e os meninos tiveram de ir com os pais para o
mar.
Como de costume, ao fim da tarde começaram a carregar o
barco.
Nunca poderiam esquecer a corda, o machado, o fogareiro, lenha
partida e os mantimentos necessários. Era também preciso um barril de
água.
Ao escurecer o casal partiu, levando consigo uma caixa que era
o abrigo para os seus filhos, colocando-a à proa do barco juntamente
com as ferramentas necessárias.
Quando chegaram ao ponto de pesca, pararam de remar e
começaram a preparar a linha e a isca de sardinha para começarem a
pescar.
A poucos minutos de ter começado a pesca o homem sentiu
alguma coisa estranha, mas não ligou. De repente sentiu a mão presa à
madeira, quis tirar a mão mas não conseguiu e chamou a mulher para o
ajudar (a tirar a mão ).
Era então um polvo, que veio ao cheiro da isca e tinha-se agarrado
à mão.
Pediu à mulher a machada, para cortar as pernas do polvo; a
mulher, com a aflição,foi buscar a machada, tirando a caixa e pô-la na
borda sem se lembrar de a segurar bem.
Ao fazerem força para cortarem as pernas ao polvo, o barco
balançou e, a caixa caiu ao mar.
Mas, como estava a maré vaza a caixa com as crianças correu
pelo mar abaixo que nunca mais ninguém a viu.
O homem, quando se livrou do polvo, olhou para a praia e não
viu a caixa, logo começou a gritar mas, de nada lhes valeu, por que a
caixa, nessa altura, já estava muito longe.
Tristes e arrasados de lágrimas, procuraram por toda a parte,
mas nunca mais apareceram.
Quando amanheceu foram ver se a caixa estava nos rochedos,
mas nada encontraram.
Desesperados, foram à Capitania de Leixões contar o caso da
caixa desaparecida e logo o Comandante deu ordem ao “salva vidas”
para ir procurar a caixa, mas, em vão.
Os pais deram as crianças como mortas.
Nessa mesma altura, os meninos já estavam salvos, com no-
vos pais adoptivos, pois, ao romper do dia, um paquete de passageiros
passava na linha de navegação e o vigia de bordo avistou,ao longe, que
boiava um volume.
Participou logo ao Imediato e este, com o auxílio de um
binóculo, confirmou e deu parte ao Comandante do navio do que estava
a observar. Este, para se certificar, pôs o binóculo e viu. Ordenou ao
maquinista para abrandar a marcha e mandou aproximar o navio do
volume, chamou quatro marinheiros e mandou arrear o escaler.
Quando os homens se aproximaram do volume ouviram gemi-
dos mas, conduziram a caixa ao Comandante, que abriu a tampa e viu
dois seres vivos;ficaram admirados e preocupados, mas logo chamaram
o médico de bordo e a enfermeira para que tratassem das crianças.
Quando as crianças estavam a ser examinadas, notaram que
estavam de perfeita saúde mas, nos braços esquerdos das crianças havia
uma inflamação difícil de observar.Com a ajuda de uma lupa verificaram
que eram picadelas e que só passado um ano se poderia reconhecer
do que se tratava.

Pensaram para si que se tratava de dois irmãos.

Comunicaram então ao Comandante que os meninos estavam de
perfeita saúde, que havia uma pequena inflamação no braço de cada um
e que poderiam ser irmãos.

Só os três sabiam do que se tratava.
Como o barco tinha parado começou a haver um burburinho
entre os passageiros de 1ª classe, perguntando o que é que se tinha passado.
Mais tarde já se sabia do acontecimento: que tinham aparecido um
menino e uma menina.
Um casal de portugueses, sabendo do sucedido, pediu ao Comandante
para tomar conta da menina e um casal de argentinos fez o
mesmo pedido para tomar conta do menino.
O Comandante pensou um pouco e aceitou entregar o menino ao
casal argentino e a menina ao casal português.
Chegados a Lisboa os passageiros portugueses desembarcaram
e, entre eles estava o casal que adoptara a menina.
O casal argentino seguiu viagem.
Ao despedirem-se trocaram cartões de amizade para estarem em
contacto uns com os outros, o que nunca aconteceu.
O casal português procurou um hotel para descansar dois ou três
dias.

Passados três dias, voltaram à sua casa e o Sr. Raimundo (pai
adoptivo) chamou o médico da família para examinar a menina e os
próprios pais, dizendo que a menina tinha nascido no estrangeiro.
O médico verificou que a menina e os pais estavam de óptima
saúde.
Trataram então de baptizar a menina na Igreja de Santo Hildefonso,
situada no Porto, com o nome de Cristina da Costa Raimundo,
filha de José da Costa Raimundo e de D. Amélia da Costa Raimundo,
naturais do Porto .
Cristina começou a ser tratada como filha legítima do casal
Raimundo e adquiriram uma ama para tratar da menina.
Os anos foram passando e aos oito anos entrou para a escola e,
como era muito aplicada, depressa aprendeu a ler e a escrever.
Aos doze anos já estava no primeiro ano do ciclo.
Ocupava os seus tempos livres nas cocheiras, junto aos cavalos,
o que era a sua perdição.
Como o seu pai era o proprietário da alquilaria, Cristina tinha a
possibilidade de estar sempre junto aos cavalos.
Seu pai, ao ver o seu grande interesse, deu-lhe um cavalinho
para ela aprender a montar, mandando um seu empregado para a auxiliar
e para a ir treinando.
Gostando muito de cavalos nunca deixou de estudar. Foi sempre
uma aluna brilhante.
O tempo foi passando e ela adaptou-se completamente aos cavalos.
Havia nela um grande sonho - ser amazona.
Em pouco tempo, com a sua força de vontade, fez-se uma
grande amazona.
Como grande amazona que era ,o seu nome e fotografia chegaram
depressa aos grandes países, entre eles, a Argentina.

II
Na Argentina existia uma família em que o marido era proprietário
da maior ganadaria de touros e cavalos.
Tinham um só filho e o pai queria que ele se habituasse ao movimento
da casa para que, quando ele não a pudesse administrar,ter o filho
para o substituir.
De momento, o filho, até concordava com as ideias do pai.
Como aceitou ficar com o pai, teria de ficar vinte dias na ganadaria
e só poderia ficar na cidade cerca de oito dias em cada mês.
Juntamente com os amigos, viram, em determinada altura,
um grande festim num clube de amazonas. Entraram e repararam que
acabavam de homenagear o retrato de uma grande amazona portuguesa.
Ficaram com muita pena de não terem ouvido o princípio.Os amigos
retiraram-se, mas Perez ( assim se chamava o rapaz ) tinha ficado a
observar a fotografia da Grande Amazona, que o tinha impressionado
muito.
No dia seguinte partiu para a ganadaria onde tinha de permanecer
cerca de vinte dias, treinando-se com os touros e cavalos.
Mas, a imagem da amazona não lhe saía da cabeça.
Com muito sacrifício os vinte dias foram passando e, ao chegar
à cidade, a primeira coisa que fez foi ir ao clube para ver de novo a
fotografia.
Então, foi perguntar à empregada de limpeza como ela se
chamava, a qual só lhe soube dizer que era da cidade do Porto.
Desesperado por não saber o nome, pediu autorização para tirar
uma fotografia, a qual lhe foi concedida. Ficou com duas fotografias:
uma para andar sempre com ele e outra para estar na ganadaria.
Com a vontade de conhecer a amazona, foi-se transformando
num grande cavaleiro e assim, poderia correr em todas as touradas do
mundo.
Especializou-se em meter ferros curtos de arranque, o que ninguém
tinha ainda conseguido fazer e, tornou-se campeão nacional, sob
as regras tauromáquicas.
Ora, ele tinha prometido a seu pai fazer-lhe a vontade de ser um
grande fazendeiro mas, tudo mudou quando viu a fotografia.
Seu pai pensava que o treino que ele fazia era, para mais tarde,
ficar com a alquilaria.
Mas a sua ideia principal era vir a Portugal, à cidade do Porto,
para ver se conseguia encontrar a amazona e falar com ela.
Pediu autorização à empresa tauromáquica internacional para
poder vir a Portugal tourear na cidade do Porto mas, não lhe foi concedido.
Tinha de começar pela Europa.
Se assim fizesse estaria tudo bem, podia começar quando
quisesse.
Aceitou e, começou por falar com o pai, pedindo-lhe a sua autorização
e ajuda financeira para fazer uma tournée por toda a Europa.
O pai, depois de muito pensar no caso e para fazer a vontade a
seu filho, aceitou...
O filho ficou muito contente e pediu-lhe cinco cavalos e o pessoal
prático com os cavalos escolhidos por ele.
Participou à empresa tauromáquica para lhe dar ordem de embarque
e indicações por onde começar.
Passou pela França, pela Itália, Alemanha até que chegou a Espanha.

Em Espanha ordenou ao empresário que o acompanhava que se
dirigisse à cidade do Porto e aí, à empresa tauromáquica internacional,
comunicando, da parte do Sr. Perez, que só faltavam duas corridas em
Espanha e que, depois destas, pedia que a primeira corrida fosse na
cidade do Porto.

Os empresários trocaram impressões uns com os outros e, como
ele tinha sido um bom cavaleiro, que sempre tinha honrado o seu nome,
aceitaram a sua proposta.
O seu empresário, sabendo que o tinham aceite, telegrafou-lhe
dizendo que concordavam que a primeira corrida fosse no Porto.
Visto terem aceite, o Sr. Perez ordenou aos seus empregados
para terem as coisas em ordem, pois logo que acabassem as duas corridas
em Espanha viriam para Portugal.
As duas corridas realizaram-se e como em Espanha já nada tinha
a fazer, o Sr. Perez dirigiu-se aos Caminhos de Ferro de Espanha para
arranjar um vagão especial para os seus cinco cavalos e os seus tratadores.

O chefe da estação disse que o vagão estaria às suas ordens dentro
de dois dias.
Embarcaram para o Porto, com destino à Estação de Campanhã,
mas antes de embarcar telefonou à empresa tauromáquica internacional,
informando que chegariam a Campanhã no dia seguinte, às oito da
manhã e que lá deveria estar alguém para os atender.

Os seus empresários já tinham em vista a Alquilaria do Sr.
Raimundo e assim se dirigiram a ele dizendo que precisavam de alojamento
para cinco cavalos e seis tratadores de um cavaleiro argentino,
que vinha em tournée pela Europa e que vinha fazer duas corridas ao
Porto e que chegaria no dia seguinte.
O Sr. Raimundo ficou muito satisfeito e pediu aos empresários
para o conhecer e, para isso, iria com eles no dia seguinte à Estação de
Campanhã.
No dia da chegada, às oito da manhã, na Estação de Campanhã,
parecia uma festa. A gare estava cheia. Quando ele estava a descer do
comboio os foguetes começaram a estoirar e as palmas ouviam-se por
todos os cantos.Os empresários chegaram-se a ele e abraçaram-no,
depois apresentaram-lhe o Sr. Raimundo como proprietário da alquilaria
onde os cavalos e os empregados se iriam alojar.
Nessa altura ouviam-se os foguetes, fanfarra e clarins. Era uma
verdadeira alegria
Os empresários falaram com o Sr. Perez sobre o itinerário que
teriam de percorrer e nessa altura deu-se um pequeno intervalo para
o Sr. Perez se fardar com o seu uniforme de cavaleiro; entretanto, o
cortejo já se estava a preparar, com os cavalos e os clarins que tomavam
os seus postos e um grande cartaz na frente, dando as boas vindas
ao cavaleiro Sr. Peres de Aragão que vem fazer duas corridas ao ilustre
povo portuense.
E dando início ao cortejo, começaram pela Rua do Heroísmo,
Jardim de S.Lázaro, Praça da Batalha, Santa Catarina até ao Marquês,
Rua da Constituição até à Boavista, depois Júlio Dinis, Palácio, Cordoaria,
Clérigos, Praça da Liberdade, Avenida da Liberdade, Avenida
Descendente, Rua Sampaio Bruno, Sá da Bandeira, Rua Formosa e o
cortejo termina em frente da casa do Sr. Raimundo, onde este agradece
ao povo portuense a amabilidade que tiveram em relação ao cavaleiro.
Em seguida os empresários despediram-se do Sr. Raimundo e do Sr.
Perez e este disse-lhes para depois passarem pelo escritório para falarem
sobre as corridas.
O Sr. Raimundo convidou o Sr. Perez a visitar a cavalariça para
onde vão os seus cavalos e o Sr. Perez ficou muito satisfeito pelo bom
alojamento dos seus cavalos e dos seus empregados.
O Sr. Raimundo disse ao Sr. Perez que estava muito satisfeito
de o conhecer pessoalmente e, ao mesmo tempo, oferecia-lhe a sua casa
para passar ali o tempo que desejasse.
O Sr. Perez agradeceu muito mas disse que isso iria ser muita
maçada, mas o Sr. Raimundo insistiu no convite e o Sr. Perez não soube
recusar.
Então deu ordem aos seus empregados para trazerem as malas
do convidado e foi mostrar-lhe o quarto onde iria ficar e participou-lhe
que às oito horas o jantar estaria na mesa.
Perez foi para o seu quarto descansar um pouco e também para
se preparar para o jantar, mudando de fato. Passado pouco tempo bateram
à porta a avisar que o jantar estava pronto.
Ao descerem as escadas o Sr. Raimundo disse que ia apresentar
ao Sr. Perez a sua esposa, Srª. D. Amélia e que gostaria muito de apresentar
a sua filha mas, não seria possível por que, sendo ela a presidente
do Salão de Amazonas, estava nessa altura em reunião mas, na manhã
seguinte, ao almoço, já a apresentaria.
Apresentou-lhe então a sua esposa- D. Amélia Raimundo.
Durante o jantar o Sr. Raimundo perguntou ao Sr. Perez se tinha
gostado da viagem, se gostou da paisagem da madrugada em Portugal.
-Cá o Norte é muito interessante, não acha Sr. Perez? Perguntou
Raimundo - e diz ainda
-É pena o pouco tempo que teve para apreciar o panorama mas
devemos ter ainda tempo para ver tudo à vontade.
-Agora, Sr. Perez vai-me contar como é que um rapaz tão novo
mo o senhor, inclinou para ser cavaleiro tauromáquico? Diz o Sr.
Raimundo ao Sr. Perez.

Bem...Sr. Raimundo - diz Perez
-Esta minha inclinação tauromáquica tem um ponto de admiração
pela minha parte.Quando terminei os meus estudos literários e de
idiomas, entre eles o Português, o meu pai teve uma conversa comigo
acerca do meu futuro e disse-me que era o momento de eu pensar
no futuro a seguir, pois ele estava a ficar velho e era preciso que eu o
substituísse. Para isso, eu teria de estar na ganadaria a praticar, tal e qual
como ele ou seja, ficar vinte dias ausente da cidade, só me restando oito
dias para me divertir com os meus amigos. Nestas condições, aceitei as
propostas que o meu pai me fez. Nesta altura estava o meu pai a descansar
os oito dias na sua casa da cidade e eu teria de o acompanhar dentro
de dois dias.
-Fez muito bem aceitar - disse o Sr. Raimundo. Mas Perez continuou:

-Nesse mesmo dia, à noite, juntei-me com os meus companheiros
de escola e fomos dar um passeio e ao passar num salão de amazonas
vimos um ajuntamento de onde saíam já várias pessoas e por curiosidade
fomos ver o que se passava e perguntamos o que tinha acontecido.
-Responderam-nos então que tinham acabado de homenagear a
fotografia de uma amazona portuguesa. Perguntei como é que a amazona
se chamava e dissera-me que não sabiam. Fiquei pasmado a olhar
para a fotografia.Dirigi-me a uma empregada de limpeza na esperança
de descobrir o nome da amazona, mas não me soube dizer;só sabia que
era da cidade do Porto.
-No dia seguinte fui novamente ao clube, pedi autorização para
tirar duas fotografias, o que me foi concedido.Coloquei uma na minha
carteira e outra na ganadaria e assim segui com o meu pai, mas não me
saía da cabeça a fotografia que vi. Logo as minhas ideias começaram a
mudar. Como é que eu poderia fazer uma viagem até à cidade do Porto?
-De repente tive uma ideia - transformar-me em cavaleiro tauromáquico.

-E assim, Sr.Raimundo, cá estou eu, pronto para encontrar a
senhora da fotografia.

-Tenciono aguardar pela chegada da sua filha, pois ela poderá
fornecer-me algumas indicações.
-Qual será a reacção do seu pai quando souber?
-Bem Sr.Raimundo, é um caso que só na ocasião oportuna se
poderá resolver.
-Sr. Raimundo, já é um pouco tarde, vou-me deitar, pois amanhã,
bem cedo, tenho de falar com o meu cônsul e mandar um telegrama
ao meu pai dizendo que estou hospedado em casa do Sr. Raimundo e da
Srª D. Amélia da Costa Raimundo, na cidade do Porto.
No dia seguinte, bem cedo, Perez foi ao Consulado tratar da sua
chegada a Portugal e enviar o telegrama a seus pais.
Em seguida foi à empresa tauromáquica combinar a sua primeira
corrida.
Disseram então que, primeiro, teriam de fazer uma grande publicidade,
para o povo portuense conhecer o cavaleiro, o Sr. J.Perez de
Aragão, que anda a fazer a sua primeira tournée pela Europa.
Só depois poderá marcar a data da primeira corrida.
E com tudo isto, são horas de almoço em casa do Sr. Raimundo.
Chegado a casa foi imediatamente cumprimentar o casal
Raimundo que já o esperava para almoçar.
Antes de almoçarem os dois cavalheiros saboreavam uma bebida.

Neste momento entra a filha do casal e o pai chama-a dizendo:
-Vem cá Cristina, quero-te apresentar o Sr. J. Perez de Aragão, o
cavaleiro argentino de quem eu já te tinha falado.
-Sr. Perez – diz Raimundo, quero apresentar-lhe a minha filha
Cristina da Costa Raimundo.
-Ah…Ah…Ah…
-Mas, será possível?
-Será a senhora a dona desta fotografia? diz Perez.
O casal Raimumdo e sua filha Cristina ficaram surpreendidos
com a reacção do Sr. Perez.
Perez quase desmaiou ao ver que Cristina era a mesma que ele
trazia consigo e mostrou-a dizendo:
-Conhece esta fotografia? – É por ela que me encontro em Portugal,
como já contei ontem a seu pai, ao jantar. Só não a mostrei ontem,
porque a tinha deixado no quarto.
Cristina, um tanto perplexa, perguntou:
-Que pode o senhor dizer-me a este respeito?
-Pois, Menina Cristina, tenho a dizer-lhe que Deus é muito meu
amigo, proporcionando-me o encontro com a pessoa de quem fiz juramento
a mim próprio que a viria a encontrar. Mas foi seu pai quem nos
juntou, porque foi ele quem se ofereceu, através do anúncio dos jornais,
para dar recolha aos meus cavalos. Assim, esta reunião, devo-a a seu
pai.
-Depois de tudo isto, como é que o Senhor se sente? E Raimundo
continua – Olhe que a minha filha não sabe de nada do que se passou
com o Senhor e, a mim, até me parece um mistério, Sr. Perez; vamos lá
ver em que é que isto dará.
-Eu, diz Perez, não posso parar de pensar na forma em como
tudo está a acontecer – eu deveria, em Portugal, procurar a dona da
fotografia, mas…assim…. É caso para agradecer muito a Deus Nosso
Senhor. E como já a encontrei, rogo a Deus que nos ajude, segundo
a Sua vontade. Tenho muitas coisas para lhe contar Menina Cristina
mas,fica para mais tarde, quando estivermos mais à vontade.
Ao ouvir as palavras do Sr. Perez, o casal Raimundo deixou-os a
sós.
E, mais uma vez, Perez contou a sua história.
Depois de conversarem, Cristina chamou os seus pais para almoçarem.

Durante o almoço nada se conversou a este respeito, apenas se
falou em paisagens de Portugal.
Cristina estava inquieta, D. Amélia pouco comeu, pois estava
muito nervosa.
Findo o almoço os dois cavalheiros foram para a salinha tomar o
café e Raimundo aconselhou a filha e o Sr. Perez a irem dar uma volta
na tarde seguinte, para ele conhecer os arredores do Porto, o que eles
aceitaram.
Então, Raimundo, deu ordem para prepararem um trem para eles
irem passear no dia seguinte, na companhia da Senhora D. Amélia.
Começaram por visitar a Praça da Liberdade, Clérigos, Cordoaria,
depois Praça dos Leões, Praça de Carlos Alberto e Palácio de Cristal.
Chegados ao Palácio, desceram da carruagem para poderem ir
ver as maravilhosas vistas. E diz D. Amélia – venha ver Sr. Perez, a
entrada dos vapores no Rio Douro, onde ele termina, na barra. Depois,
desceram pela marginal, apreciaram o Jardim do Passeio Alegre e passaram
pela Avenida Brasil a onde se defronta o Castelo do Queijo que
está situado a poente da grande praça que divide o trânsito rodoviário
entre o Porto e Matosinhos. Dali até Matosinhos existe a grande praia
de banhos do Norte do Porto e passamos por Matosinhos, terra muito
elegante, muito vistosa, com os seus grandes estabelecimentos, terra de
grande indústria em que está situado, entre Matosinhos e Leça o grande
Porto de Leixões que era escurado por pontes, duas romanas, uma de
madeira e uma outra onde passavam os eléctricos que era metálica.
Foram depois ver o Farol da Boa Nova, passaram pelas praias
e foram em seguida ao Aeroporto de Pedras Rubras que está situado a
poente da terra com o mesmo nome.
-Então que nos diz a tudo isto, Sr. Perez? Pergunta D. Amélia.
-É tudo uma maravilha, nunca pensei que os arredores do Porto
fossem tão bonitos.
-E agora, por onde vamos?
-Podemos ir a Angeiras, para o Sr.Perez ver o Parque de Campismo
e poderíamos também ir ver o museu, não acha mamã? Fala-se
tanto nesse museu que eu gostava de o visitar.
Foram então de seguida para o museu e, quando lá chegaram
viram um pequeno barco (que estava bem tratado) que continha uma
placa com os seguintes dizeres: “Este barco pertenceu a um casal,ambos
já falecidos, naturais de Angeiras, que perderam, na função do seu
trabalho, a pesca, os seus dois filhos gémeos.Com o desgosto,os seus pais
entregaram o barquinho ao Cabo do Mar, para fazer dele um pequeno
museu em recordação dos seus dois filhos falecidos.
D. Amélia, ao ler a placa, começou a sentir-se mal; Cristina, ao
ver o estado da mãe, tentou reanimá-la e seguiram viagem.
À passagem por Matosinhos pararam em frente da Igreja e
foram visitar o Senhor de Matosinhos.
À entrada depararam logo com a pia de Baptismo, depois visitaram
os altares e Perez ficou encantado e disse:
-Como tudo isto é maravilhoso, nunca pensei que fosse tão belo,
tal como ouvia contar.
D. Amélia concordou e Cristina disse que estava muito feliz por
ter conhecido a Igreja do Senhor de Matosinhos.
Já estava a escurecer, já não tinham mais paragens a fazer,
dirigiam-se agora para casa.
Chegados a casa, entregaram-lhes uma carta, convidando a
família Raimundo e o Senhor Perez a comparecer no baile em casa da
Senhora Viscondessa da Ermida.
Todos aceitaram o convite e Perez declarou:
-Será um grande prazer acompanhá-los ao baile – quando é
Menina Cristina?
-Será amanhã, Senhor Perez. Temos de estar lá às dez horas da
noite.
No dia seguinte, às dez horas em ponto, o casal Raimundo, sua
filha e o Senhor Perez já lá estavam.
À entrada, cumprimentaram a Senhora Viscondessa e seus familiares.

Começou o baile e a primeira valsa pertenceu à menina Cristina
Raimundo e ao Senhor J.Perez de Aragão.
O baile foi muito animado tendo terminado já depois da meia
noite. Despediram-se e dirigiram-se de imediato para casa devido ao
adiantado da hora.
No dia seguinte, logo pela manhã, os jornais anunciavam a
grande corrida para a semana seguinte.
-Mas, diz Cristina, nesse domingo, às duas da tarde, temos a
corrida das amazonas. É desde o Esteio de Campanhã, pela Circunvalação
até à Praia de Matosinhos onde fica a meta. Haverá três prémios e
os restantes terão prémios de consolação.
A semana decorreu com muito nervosismo, tanto da parte de
Perez como da de Cristina.
Os dias foram passando com os preparativos para a corrida das
Amazonas que se realiza no mesmo domingo da corrida de touros.
Como de costume no dia anterior à corrida há o baile dos
toureiros e das suas convidadas no Palácio da Bolsa.
Estavam então a conversar Perez e Cristina e diz Perez:
-Já sabe, Cristina, que os espanhóis trazem damas de Madrid
para assistirem ao baile?
-Mas, como sabe disso Perez?
-Ouvi dizer, Cristina.
Chegou o dia do Baile.
Começou com muita animação. Os espanhóis dançaram
primeiro com as damas portuguesas e depois trocaram, enquanto que
Perez e Cristina dançaram sempre sem trocar de par.
O baile decorreu em grande animação, acabando com brindes a
Espanha e a Portugal.
Prepara-se para o dia seguinte a corrida das Amazonas.
Era Domingo e, logo de manhã, as amazonas andavam em
grande azáfama, treinando os seus cavalos e, às 13 horas estava tudo
pronto no Esteio de Campanhã.
Também nesse dia se realizava a corrida de touros na Praça da
Alegria e, à uma hora da tarde havia já um grande movimento de trens
pelas ruas da cidade diriginddo-se à Praça da Alegria para arranjarem
lugar, apesar da corrida só começar às cinco da tarde.
Entretanto, dá-se o início à corrida das Amazonas, com o sinal
de partida às duas da tarde.
Todos se dirigiam à Estrada da Circunvalação, directo à Praia de
Banhos de Matosinhos, que é onde se situa o stand e a meta.
Depois de entregues os prémios, aos melhor classificados, forma-se
novamente o cortejo que se dirige à grande praça do Castelo do
Queijo. Aí o cortejo toma a direcção do Avenida da Boavista, directa-
mente à Praça da República mas, quando o cortejo passava na travessa
que dava para a Ervilha, Foz, até Matosinhos, a máquina que rebocava
os americanos que conduziam os passageiros, deu sinal de partida e apitou.
Nessa altura, o cavalo da directora, que era a Cristina, assustou-se
e ela esbarrou-se contra os americanos que já estavam em marcha e ela
ficou muito ferida.Foi imediatamente conduzida ao Hospital de Santo
António.
Com este acidente o cortejo desfez-se.
À chegada de Cristina ao hospital, os médicos observaram que
ela tinha perdido bastante sangue e logo mandaram anunciar pelos
altifalantes da cidade, fazendo lembrar aos senhores dadores de sangue
que se dirigissem ao Hospital de Santo António pois, a menina Cristina
Raimundo estava em perigo de vida.
Este anúncio foi ouvido na praça de touros onde o cavaleiro
argentino, depois de ter dado a volta ao redondel, se encontrava mesmo
no meio da praça:
Atenção, atenção, atenção senhores dadores de sangue, queiram
dirigir-se ao Hospital de Santo António, pois a Menina Cristina
Raimundo sofreu um acidente e está em perigo de vida.
Ao ouvir estas palavras Perez, montado no seu cavalo e mesmo
de uniforme, saíu imediatamente do campo em direcção ao hospital e
apresentou-se ao médico de serviço, dizendo:
-Venho dar sangue à menina Cristina.
Os médicos aceitaram e mandaram-no despir da cinta para cima
e conduziram-no ao leito.
À porta da enfermaria encontravam-se bastantes pessoas, umas
amigas, outras curiosas e alguns repórteres. Como ouviram falar da filha
do Sr. Raimundo, queriam saber pormenores para poderem preencher
os jornais. Não saíam do hospital sem saberem a causa do acidente.
Também acabavam de chegar os pais de Cristina e perguntaram
logo:
-Senhor Doutor, como está a nossa filha?
E o médico respondeu:
-Já está livre de perigo.
-E qual é o seu estado de saúde?
-Bem, diz o médico, há vários ferimentos que devem ser tratados,
e um pequeno problema ainda em estudo.
Entretanto, os repórteres insistiam em saber notícias.
Só mais tarde o médico se dirigiu aos jornalistas dizendo:
-Bem, o estado de saúde da nossa doente já é melhor, estando
totalmente livre de perigo, no entanto, fizemos uma descoberta que nos
leva a pensar que a doente e o dador de sangue são irmãos, pois nos
seus braços esquerdos estão marcados os nomes – no dador Manuel
António Soares e na menina Maria Antónia Soares.
Os repórteres saíram de imediato, agradecendo ao médico e cor-
reram a lançar a notícia.
Logo se gerou um burburinho, onde as pessoas diziam que não
podia ser, pois eles eram namorados.
Os pais de Cristina nada sabiam.
No dia seguinte os jornais confirmavam o estado de saúde de
Cristina, filha do casal Raimundo e participavam o caso das letras nos
braços. O público comentava – ora porque eram namorados, ora porque
a menina é portuguesa e o rapaz é argentino. O povo fala, fala, mas
ninguém sabe a verdade.
O Jornal de Notícias, assim como outros, já falam no assunto há
quinze dias, mas nada de concreto.
Um jornal pôs repórteres na rua, em segredo, e um deles, após
oito dias de pesquisa, ouviu as seguintes palavras numa barraca de fruta,
onde a dona da barraca dizia para uma sua freguesa:
-Ó mulher, se eu fosse a ti, já tinha ido ao jornal dizer o que
sabes sobre o cavaleiro e a portuguesa.
O repórter, ao ouvir estas palavras entendeu que se tratava do
assunto que já há muito procurava. Deixou a senhora saír da barraca, foi
atrás dela e puxou conversa com palavrinhas de lã. – Então a senhora
sabe alguma coisa do cavaleiro e da portuguesa?
-Suponho não me ter enganado – disse a senhora ao repórter
-Não se importa minha senhora de me dizer a sua idade? E do
que vive?
-Vou fazer sessenta anos, sou viúva, meu marido era médico
e eu enfermeira. Dantes, ainda me chamavam para dar injecções mas,
agora,o senhor sabe como é, já sou velhota, ninguém me chama.
-A Senhora não se importa de vir comigo à redacção para
conversarmos melhor?
A Senhora exitou um pouco mas, quando o repórter lhe falou em
pagamento em dinheiro pela informação, ela acompanhou-o logo.
Chegados à redacção o repórter apresentou a senhora de quem
ouvira umas palavras acerca do seu trabalho.
E diz o chefe da redacção:
-Minha Senhora, as suas informações são muito importantes
para nós. Se elas forem o que precisamos saber, receberá, hoje mesmo,
vinte contos.
-Bem, vou então começar:
-Quando eu era nova, estava empregada nas enfermarias do
hospital de Santo António e comecei a interessar-me pelo Curso de
Enfermagem. Ao fim de alguns anos formei-me em enfermeira. Passado
algum tempo, li num jornal um anúncio onde pediam uma enfermeira
para a companhia de navegação inglesa.
-Dirigi-me à Companhia de Navegação onde fui contratada para
uma viagem, de ida e volta pela Europa, a bordo dum paquete inglês.
Na mesma altura, também lá estava um médico que acabava de ser
contratado, tal como eu. Como nos ficamos a conhecer e tínhamos que
embarcar em Lisboa, resolvemos ir juntos.
Chegados a Lisboa, dirigimo- -nos à agência inglesa onde fomos
apresentados ao Comandante de bordo.
Iniciada a viagem, percorremos a Europa, tudo correu muito
bem, até que,depois de sairmos do Porto de Vigo, já em águas portuguesas,
ao norte de Leixões, apanhamos um grande susto: pelas sete horas
da manhã, hora em que quase todos os passageiros dormiam, o paquete
parou.
Eu e muitas outras pessoas, fomos ver o que se passava.Vimos que
havia conversações na ponte de bordo entre o capitão, os oficiais e
alguns marinheiros. Percebemos que o capitão mandou arrear um escaler
com quatro homens e nós vimos que os marinheiros tiraram uma caixa
em madeira, do mar e a conduziram ao comandante.
O que se passou a seguir com a caixa, não sei mas, de repente, o médico
de bordo foi-me procurar e levou-me à presença do comandante. Este
entregou ao médico dois seres humanos vivos e o médico entregou-mos
a mim.
Em seguida eu e o médico fomos tratar dos meninos – dar-lhes banho e
mudar de roupa. O médico, fez-lhes então um exame, verificando que
estavam de óptima saúde mas, o médico disse-me a mim que havia uma
inflamação nos braços esquerdos das crianças e que, só passados cinco
ou seis meses se poderia saber do que se tratava.
Quando eu e o médico fomos entregar as crianças ao comandante,
havia já um zum – zum entre os passageiros – já se sabia do acontecimento
e não faltava já quem quisesse tomar conta dos meninos.
Entregamos as crianças ao comandante que foi de imediato rodeado
por passageiros.
Passadas algumas horas, fomos novamente chamados à presença
do comandante, que agora se encontrava com um casal português e um
casal argentino.
Aí o comandante disse-nos que nós éramos testemunhas em
como a menina era entregue a um casal português, como pais adoptivos
e o menino foi entregue a um casal argentino, como pais adoptivos.
-Ora, aqui está, meus senhores, o que sei a tal respeito:
Sei que a menina foi entregue ao casal português Sr. Raimundo
e D. Amélia da Costa Raimundo.
-Também sei que o menino foi entregue ao casal argentino
Sr.João Perez de Aragão e Srª D. Rosália de Aragão.
-Bem – disse o chefe da redacção do jornal – a Senhora disse-nos
o que já há muito procurávamos. Vou entregar-lhe o dinheiro prometido
e só me resta agradecer-lhe – Obrigado.
Entretanto, no Hospital, diz o sr. Perez ao médico:
-Senhor doutor, diga-me como é possível nós sermos irmãos, se
eu sou argentino e a menina Cristina portuguesa?
-Bem, Sr.Perez, é muito provável que tenha ocorrido alguma
desgraça na sua família, como, por exemplo, um desastre em que os
pais tenham morrido e as crianças ficassem vivas.
O médico falava e Perez ouvia com muita atenção e continuou o
médico:
-Alguém que tenha assistido ao acidente e, como há sempre pessoas
caridosas, podem ter ficado com as crianças.
-Senhor Perez, isto é só um exemplo, não quero dizer que seja
isto que aconteceu. A prova que há de que são irmãos são as análises de
sangue que fizemos e…
-É inacreditável – diz Perez.
-Como ia dizendo… há também nos braços esquerdos, bem
legíveis, as seguintes palavras: Manuel António Soares e Maria Antónia
Soares. Dá a entender que são de gente humilde e talvez da beira-mar.
-Mas, como podem saber?
-Bem, é que, onde costumam marcar os braços, é em gente da
beira-mar.
Perez saíu a pensar nestas palavras e dizendo baixinho para si:
-Como é possível, meu Deus,isto acontecer, depois de tudo o
que eu passei para a encontrar?
Sempre com esta ideia fixa, dirigiu-se para casa da família
Raimundo.
No hospital, Cristina pouco sabia do que se estava a passar. Os
médicos receavam que a notícia mexesse com ela.
Durante o percurso, Perez continua a pensar como poderá
descobrir toda a verdade. Só Deus e os pais adoptivos a poderiam
conhecer.
-Se até hoje nada disseram sobre o assunto, acho que, por moto
próprio, não quererão falar, mas eu tenho fé em Deus de que hei-de
desvendar este mistério.
-Vou tentar saber alguma coisa da parte da Senhora D.Amélia.
Chegado a casa dirigiu-se à Senhora D. Amélia:
-Boa tarde minha senhora.
-Boa tarde Senhor Perez.
-Estou vindo agora do hospital.
-Como está a Cristina?
-Está muito melhor, mas não pode ter visitas, só quando o
médico achar que ela está bem.
-Eu vim cá para a Senhora me contar a verdade sobre o nosso
nascimento. Como poderemos ser irmãos? Que mistério é este? Penso
que só a senhora poderá fazer declarações definitivas. Como é que a
Cristina veio para o seu lar? O médico afirma que somos irmãos, não só
pela leitura dos braços mas também pelas análises de sangue. Está visto,
Senhora D. Amélia, que fizeram um segundo baptizado e lhe deram o
nome que entenderam e o mesmo terão feito os meus pais.
-Senhor Perez, porque não escreve à sua mãezinha a fazer a
mesma pergunta? Talvez ela possa dizer alguma coisa a este respeito –
disse D. Amélia um pouco aborrecida.
-Já escrevi minha senhora e a resposta que obtive é que sou seu
filho legítimo. Na verdade, sem o acidente da menina Cristina, tanto a
senhora como a minha mãe, nunca declarariam a verdade. Eu acredito
nas provas apresentadas pelo médico e na teoria de sermos irmãos
legítimos. Portanto, daqui para a frente, eu e a Cristina tratamo-nos
como irmãos e espero o dia em que se declarará a verdade. Concorda D.
Amélia? Vamos aguardar que o médico dê alta definitiva à minha irmã.
Entretanto, o Jornal de Notícias informa que, muito em breve,
desvendará o mistério dos dois namorados.
Dias mais tarde Cristina teve alta do hospital e, como era de
esperar, em casa, o assunto batia sempre no mesmo.
Sabendo da alta de Cristina, os repórteres dirigiram-se à sua casa
para saber do seu estado de saúde mas, principalmente, pelo mistério
que a envolvia. Um deles dirigiu-se ao dono da casa, dizendo:
-Senhor Raimundo, porque não nos conta como obteve a menina
em tenra idade? Pois muito bem, nós, Jornal de Notícias, vamos declarar
publicamente toda a verdade. Não o fizemos antes para não perturbar
a recuperação da menina Cristina. Desculpe, mas tem de ser assim,já
que os senhores não estão dispostos a prestar essas declarações.
Ao ouvir as palavras do repórter, Raimundo ficou muito pensativo
e disse com os seus botões:
-Como pode o jornal saber a verdade?
Entretanto saía uma breve notícia no jornal, anunciando o desvendar
do mistério que há dias vem preocupando os seus leitores.
E no Domingo seguinte, dia de maior tiragem do jornal, lá
estava, em grande destaque, com letras bem grandes, a notícia há tanto
esperada – “O MISTÉRIO DOS DOIS IRMÃOS”
Dizia então:
No dia 28 de Outubro de 1930, um paquete inglês, fretado por
um grupo de capitalistas, fazia já a sua viagem de regresso após ter
percorrido a Europa e nele viajavam um médico e uma enfermeira
portugueses, que se haviam matriculado em Lisboa para trabalhar naquele
paquete.
Pelas sete horas da manhã, o paquete parou e todos os passageiros
estranharam e levantaram-se, estremunhados, para saber o que
se passava mas, apenas viam algum movimento na ponte de comando
entre o comandante e alguns oficiais.
Encontravam-se a poucas milhas de Leixões quando o vigia
avistou ao longe um volume; deu parte ao imediato, que logo confirmou
com o seu binóculo e deu parte ao Comandante. Uma vez o barco
parado, o Comandante deu ordem aos marinheiros para arrearem um
escaler e recolherem o volume que boiava.
Quando os marinheiros se aproximaram, ouviram uns gemidos
vindos da caixa pelo que se apressaram a trazê-la ao Comandante que
os aguardava na ponte. Abriram a caixa e depararam com dois seres vivos,
duas crianças.
Chamaram o médico e a enfermeira de bordo a quem entregaram
as crianças para serem lavadas e cuidadas e ver se estavam de boa
saúde.
Efectivamente, estavam de óptima saúde, a não ser uma inflamação
no respectivo braço esquerdo de cada uma das crianças que, no
momento, não era possível definir.
Entre os passageiros estavam dois casais que se prontificaram,
de imediato, a tomar conta das crianças.
O Comandante pensa, consulta os Regulamentos de bordo e
chega à conclusão de que pode entregar as crianças a qualquer casal
desde que veja que são pessoas com recursos financeiros para as
poderem adoptar.
Apenas terá que haver um registo a bordo, testemunhado por
pessoas consideradas responsáveis e para isso o comandante chamou o
médico e a enfermeira os quais, depois de esclarecidos sobre o que se
iria passar, assinaram a seguinte declaração:
- Eu, João Alves da Costa, Médico, testemunho que a criança do
sexo feminino é entregue ao casal Português Senhor José da Costa
Raimundo e Senhora D. Amélia da Costa Raimundo e a criança do sexo
masculino é entregue ao casal Argentino Senhor João Perez de Aragão
e Senhora D.Rosália de Aragão.
Assina –João Alves da Costa – residente na Rua de Santa Catarina,
1203 Porto
- Eu, Ana da Cruz, Enfermeira, também testemunho que a
menina é entregue ao casal Português acima indicado e que o menino é
entregue ao casal Argentino acima indicado.
Assina –Ana da Cruz - residente na Rua da Sé, Porto.
Ora, uma vez desvendado o caso, apesar dos falatórios, tudo
passou e ficou comprovado que Cristina e Perez são irmãos legítimos.
Para muitas pessoas foi um alívio e motivo de sorrisos, tanto
da parte masculina como feminina pois, tanto cavalheiros como jóvens
senhoras pensam já em felicidades próximas, já que os irmãos estão
livres de compromissos.
Aproxima-se a última corrida e, como de costume, o baile que a
antecede que se vai realizar no Palácio de Cristal.
Perez já contactou os toureiros em Espanha e conta com os melhores
espadas e bandarilheiros assim como um grande matador de touros
Madrileno, que virá acompanhado de sua esposa.
As senhoras amazonas da cidade do Porto pretendem, em conjunto,
oferecer-lhes, para a última corrida, as lindas flores portuguesas.
A este grande baile internacional assistirá o Senhor Consul de
Espanha e a esposa, o Senhor Consul da Argentina e esposa, o Exmº
Senhor Governador Civil do Porto e esposa, o Senhor Presidente da
Câmara de Matosinhos e suas freguesias que vão até Angeiras donde
são filhos legítimos, o grande cavaleiro internacional Manuel António
Soares e sua mana Maria Antónia Soares, agora com os seus nomes de
baptismo na Igreja do Bom Jesus de Matosinhos.
Os respectivos pais adoptivos também foram convidados assim
como o Senhor Regedor de Angeiras e sua esposa.
O baile começou às vinte e duas horas , o salão estava repleto.
As luzes reflectiam nos vestidos das senhoras dando um efeito
muito bonito.
Todos dançavam animados, tanto os portugueses como os estrangeiros.

As amazonas, portuguesas e espanholas, davam muita alegria ao
conjunto. Parecia uma colectividade de amigos.
A primeira valsa foi em homenagem aos irmãos. Seguiram-se as
de homenagem aos consules e autoridades locais.
Apesar da imensa alegria, houve um momento para recordar a
tragédia em que estiveram envolvidos os irmãos gémeos.
Os filhos da Viscondessa começaram a abrir garrafas de champanhe
e iniciaram os brindes a Portugal, Espanha e Argentina.
Pelas quatro da manhã a festa começou a desanimar, foram
saindo os consules, as autoridades , vários dançarinos, acabando com
muita música e um até logo, à corrida da tarde.
Para esta corrida, começou a ver-se, logo pela manhã, muitos
trens pelas ruas da cidade, com os seus parelhas, cheios de fitas
avermelhadas e as suas buzinas faziam barulho em direcção à praça de
touros, para conseguirem lugar para ficarem bem instalados e poderem
saborear os seus farnéis.
Como de costume,um grande cavaleiro provoca sempre grandes
enchentes na Praça da Alegria.
A corrida começou às cinco da tarde, depois de três touros
lidados deu-se o intervalo e nessa altura o cavaleiro Senhor Perez de
Aragão e a sua irmã legítima desceram à arena para agradecer ao público
a grande simpatia manifestada ao cavaleiro internacional enquanto
que as amazonas portuenses ofereciam dois grandes ramos de cravos ao
cavaleiro e a sua irmã.
Juntos iniciaram uma volta à arena e Cristina ia atirando cravos
para a assistência que, entusiasmada, batia palmas.
Começou a segunda parte da corrida em que o cavaleiro Perez de
Aragão fez a sua última espera ao grande touro Coyote com um par de
ferros curtos de entrada que maravilhou o público.
Quando a lide terminou, o cavaleiro agradeceu, a pé, sob os
aplausos de toda a assistência.
E assim termina a missão de um homem que, por ver uma fotografia
numa sala de Amazonas, veio à Europa à procura de uma noiva
mas ela saiu-lhe sua irmã legítima.
Só quem lê o romance fica a saber.
FIM








Escreveu este conto entre 1980 e 1981.
Faleceu em 23.07.1984.

domingo, 11 de outubro de 2009

Os meus avós maternos


Estou a iniciar o meu blog e pretendo fazê-lo com uma homenagem aos meus avós maternos e em especial ao "AVÔ GENERAL". O Avô General nunca foi militar. A alcunha vem de muito jovem, quando começou a trabalhar numa fábrica de conservas. Mas a sua história vai ser contada por ele próprio já que, antes de partir, com 93 anos de idade, a deixou escrita, assim como um romance de sua autoria, o qual também tenciono aqui transcrever.


“O GENERAL”

(PELO PRÓPRIO)

ANTÓNIO FERREIRA DA SILVA, Reformado, por alcunha “O GENERAL”. tem hoje 89 anos feitos no passado dia 4 de Novembro.


Nasceu em Matosinhos no ano de 1891.

Sua meninice foi passada na rua do Portelo, hoje a conhecida França Júnior, onde a casa se encontra em ruínas.

Aos doze anos uma nova vida começou - como moço de soldador na Fábrica de Conservas de Lopes Coelho Dias & Filhos,Ldª, em Matosinhos.

Como os soldadores às vezes não tinham aviamento e passavam algumas horas sem trabalho, visto que o trabalho era por peça, reuniam-se para conversar sobre os problemas diários, e sobre a correspondencia que vinha da Associação de Setúbal.

Os moços ouviam as conversas onde se falava de greves e o António informou-se do que era uma greve e, chegou à conclusão de que a greve era para obrigar os patrões a darem mais dinheiro.


Assim se foram passando os meses com o mesmo ordenado e o António,que era o mais novo dos seus companheiros moços, com eles resolveu falar aos seus oficiais, no sentido de aumentarem os ordenados que eram então de 3 vinténs, para 4 vinténs no vazio e, 5 vinténs no cheio.Mas os patrões negaram o aumento. Assim o António intimou os seus companheiros para, da parte da tarde, não entrarem ao serviço sem que os oficiais lhes dessem mais dinheiro.

Ao último toque da fábrica os moços, com medo de perderem o emprego, entraram todos, menos o António.

Como era costume todos os dias, o patrão, Sr. Ernesto Lopes, passava para examinar os trabalhos e deparou com uma discussão e perguntou ao encarregado o que se estava a passar.

Logo o encarregado respondeu que os moços tinham tido intenção de fazer greve e que faltava um, que era o autor da greve.


Ao fim da tarde o patrão voltou a passar e perguntou ao Encarregado se o “general da greve” já tinha chegado _ e o Encarregado apontou para o António.

Como todos os oficiais soldadores ouviram o nome de “General”, assim ficou a ser conhecido.

Passados seis meses, entrou para o quadro como efectivo e, foi sempre subindo de categoria até que chegou a Encarregado Geral das conservas.

Como estava habituado a ter muita lida, quando se reformou sentindo a falta do trabalho, logo pensou em alguma coisa para se entreter.


Começou então por fazer bonecos em madeira, ao que os seus familiares acharam muita graça, alguns dos quais se encontram em sua casa e em todas as casas dos seus familiares.

Quando se aborreceu de fazer bonecos, pensou imediatamente em que iria ocupar os seus tempos livres. Lembrou-se então de contar uma história.