quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CINQUENTENÁRIO DO CENTRO DE ASSISTÊNCIA DA APDL



Comemorou-se hoje o cinquentenário do Centro de Assistência da APDL. É uma data importante na história daquela Administração, na vida de todos os seus funcionários e familiares e para mim, pessoalmente, já que a minha entrada ao serviço da APDL foi, exatamente, para o Centro de Assistência.
Cabe-me por isso a honra de ser a funcionária mais antiga daquele serviço e assim poder registar aqui como tudo começou.
…........... Era um anseio antigo de todos os trabalhados, numa época em que o acesso a cuidados de saúde era escasso e caro, que encontrou na administração de então, o Presidente Dr. Antão Santos da Cunha e do Dr. Fernando Moreira, o Presidente que lhe sucedeu, a sensibilidade e carinho necessários para a sua implementação.

Existiam já serviços congéneres nos CTT e nos TLP, mas foi à imagem e semelhança do Centro de Assistência do Porto de Lisboa que foi criado o nosso. Foi o Dr. Joyce Moniz, do Porto de Lisboa, indigitado para proceder à clonagem do serviço.

O que nesta data se comemora é a autorização ministerial para a criação do Centro de Assistência Médico-Cirúrgica. O serviço propriamente dito, com instalações próprias, só surgiria no início de 1967.

Quando fui admitida ao serviço da APDL, em 2 de Setembro 1966, ainda o Dr. Joyce procedia às diligências de que tinha sido incumbido assim como a Enfermeira Mercedes Veiga, também de Lisboa, inicialmente indigitada para chefiar o serviço, mas que não chegou a concretizar. Foi então admitida a Enfermeira Nunes Monteiro para chefiar o Centro de Assistência, por cuja dedicação profissional, empenho e sensibilidade natural a tornou a alma daquele serviço que, em pouco tempo, superou o do Porto de Lisboa. E superou, porquê? Foram vários os motivos mas o principal, sem dúvida, foi a adesão em massa de todos os funcionários, trabalhadores, aposentados e respectivos familiares os quais, confiando e acarinhando o novo serviço o fizeram crescer. Por seu lado, a Administração, entendendo essa confiança e anseios do pessoal, tudo fez para o engrandecer e consolidar.

O Corpo Clínico formado inicialmente por convite da Administração era composto por nomes altamente qualificados à época pelo que, pertencer-lhe, era um prestígio pelo qual muitos médicos acorriam a pedir a sua integração.

E assim o serviço foi crescendo, alargando benefícios, sempre ao encontro de novas necessidades e, para isso, além dos nomes já citados devo aqui lembrar dentre muitos outros, o primeiro Director Clínico Dr. Jacinto de Magalhães, o primeiro Director das Obras Sociais Dr. Lima Torres, a primeira Assistente Social Drª Manuela Antunes.

Cinquenta anos se passaram e a atual equipa do Centro de Assistência sob a iniciativa da chefe do serviço Drª Laura Andrade, carinhosamente, celebrou esta data e tiveram a amabilidade de convidar os antigos funcionários que lá prestaram serviço ao longo das cinco décadas.

Com a honrosa presença do Presidente do Conselho de Administração, Engº Brogueira Dias e demais elementos do Conselho, O Diretor Clínico Dr. João Ribeiro e a incansável Drª Laura Andrade, assistimos a uma retrospectiva da atividade do Centro de Assistência a qual, por parte da Drª Laura fruto de apurada pesquisa, enquanto que, por parte do Presidente do Conselho de Administração por completo conhecimento de causa.

Seguiu-se o descerramento da lápide comemorativa e o brinde acompanhado pelo bolo de aniversário.

Foi um agradável momento de convívio e agradável a constatação de que a atual equipa dispõe de energia e vontade de continuar a obra que outros ajudaram a criar e que continua a ser de todos e para todos.

E para terminar um lamento, já que nem tudo pode ser como gostaríamos:
_ esperava encontrar muitos dos colegas com quem compartilhei mais de 30 anos de atividade profissional e, afinal, encontrei muito poucos. Tive pena.

Mas tive o prazer de abraçar as Enfermeiras Aquilina Rego, Carolina Quinta e Ilda Tinoco; os administrativos Rosa Adelaide, Maria José Correia e Carlos Silva e ainda Lucinda Ramalho e D. Emília.

Descerramento da lápide comemorativa
Bolo de aniversário























domingo, 31 de maio de 2015

31 de Maio - dia dos irmãos

Em tempos que já lá vão
desnecessário seria
haver dia para os irmãos
que amigos maiores não havia.

Bastava vê-los sorrir
ter a sua companhia
sempre prontos a acudir
nos afazeres do dia a dia.

Que afortunada eu fui
Que em vez de um, tive dois
um irmão e uma irmã

E, quem tal amor usufrui
tem na vida dois faróis
protetores, qual talismã.


 Com um beijo para os meus queridos manos 

Zé e Quina

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Homenagem ao Bisavô Machado

Neste dia 8 de Outubro foi a sepultar o meu sobrinho Pedro Manuel. Tentando amenizar a dor de sua mãe, Dalila Machado Morais, enviei-lhe este soneto, porque a vida continua e ela tem descendência que lhe pode dar muita alegria e felicidade. No caso presente a neta Inês, homenageando ao mesmo tempo o seu saudoso pai Cristiano Machado, meu sogro.




Se lá do assento etéreo onde subiste
Memória desta vida se consente”
Imagino-te a sorrir serenamente
À bisneta que, por cá, então não viste.

A Inês da tua querida Paulinha
Trilhou afoitamente o teu caminho.
Depois do curso brilhante, esta menina
Tal como tu, fez da Marinha o seu destino.

E, se não bastasse a semelhança,
Como Piloto ela ruma à tua Ilha
Num vai-vem de Leixões a S.Miguel.

Pede a Deus que lhe dê mares de bonança
E que a neta da tua querida filha
Honre a carreira a que também foste fiel.



sábado, 1 de março de 2014

Dia 1 de Março
Aniversário natalício de meu pai - faria hoje 107 anos.


Em sua memória




O TEMPO E O PENSAMENTO



O tempo
marcado pelo tic tac do relógio,
pelo desfolhar do calendário,
pelas primaveras e invernos desta vida,
tudo traz ao nosso encontro:
bom e mau,
alegrias e tristezas,
o drástico afastamento daqueles a quem amámos.

Ao contrário, o pensamento
é elástico _ quanto mais de nós se afasta,
fica lasso, já não dói
e as marcas que antes deixara
diluem-se em doce saudade.




Leça da Palmeira, 1 de Março de 2014


                                                MC









sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O MATRIMÓNIO DOS MEUS PAIS

Em 31 de Janeiro de 1929

Completam-se hoje 85 anos sobre o casamento de Elisa Ferreira da Silva com Manuel de Paiva Júnior.




Guardo em meu relicário
Uma carta bem velhinha,
Entrecortada pelos vincos
Amarelada pelos tempos
Onde, em tom cerimonioso
Mas repleto de paixão,
Manuel pedia a Elisa
Um cantinho no seu coração.


                                 MC




A carta a que me refiro está datada de 4.1.1926 e é proveniente do Largo 13 de Fevereiro nº 5 em MATOZINHOS.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

MEMÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA

Aos meus queridos e saudosos pais eu dedico estas  memórias da minha infância 




Elisa e Manuel de Paiva Júnior


Aos cinco primeiros minutos do dia 10 de Junho de 1944, na rua Dr. José Ventura, nº 126, esquina com a rua do Pombal, bem no coração de Matosinhos, nascia esta menina, um tanto fora de tempo, como dizia a nossa mãe, já que a diferença para  o meu irmão era de 14 anos e 13 para a minha irmã. 
Desta casa não tenho qualquer memória, porque saí de lá ainda bebé, a não ser, pelo que me foi contado, que ali se passou a minha primeira aventura: estava eu no meu berço, perto de uma janela do rés-do-chão, veio uma tia avó que resolveu fazer uma gracinha e, pela rua, retirou-me do berço, e dirigiu-se à porta de entrada para me entregar à minha mãe. Só que nesse pequeno intervalo, a minha mãe deu pela falta e, não fosse a rapidez da entrega, teria passado um mau bocado. Quanto à tia, ouviu tantas, que passou a pensar duas vezes antes de fazer das suas. Mas apenas de fazer, porque quanto ao dizer, ela não parava para pensar _ era a pessoa mais engraçada de que tenho recordação. Numa frase de cinco palavras, três eram asneirolas. Junto dela ninguém estava triste e as obscenidades que proferia tinham sempre o ar de gracejo, sem ferir ou melindrar quem a ouvia. A minha mãe que também lhe achava graça, aproveitava sempre para me dizer _ aquilo são palavras feias que não deves nunca repetir_. E a verdade é que nunca tive tendência para as usar. A minha única expressão de desagrado ou contrariedade, ainda hoje, é a que era usada pelo meu pai “canudo!” ou “que canudo...”.






A casa onde nasci


1. O CORREIO VELHO


Dos quatro anos e meio que se seguiram tenho imensas recordações, embora tenha dificuldade em ordená-las no tempo.
Era a estação de correios de então, na rua Roberto Ivens. nº 394 esquina com a rua Comendador Camacho Teixeira, à qual passamos a chamar “correio velho” quando a estação mudou para a Brito Capelo.
A lembrança, por certo a mais antiga é, deitada no meu berço, de madeira , cuja base era arredondada, ao lado da cama dos meus pais e o meu pai, com um pé fora da cama, a balouçá-lo.
Brincava muito sozinha, em cima da cama dos meus pais, enquanto eles iam ao cinema, ao Constantino Nery. Ali ficava com uma caixa de fotografias, postais ilustrados, santinhos e outras papeladas, objetos do quarto como dois cães em louça, que nunca se partiram enquanto brinquei com eles e que, muito mais tarde, com grande pena minha, lá se foram; um crucifixo de celulóide, amarelo, que eu retirava da parede porque era muito leve. Quando acordava, já estava na minha cama.
No quarto da minha irmã, que passou também a ser meu quando já não cabia no berço, tinha um armário enorme dentro do qual eu me movimentava à vontade, ou seria eu que era demasiado pequena?
Do quarto do meu irmão tenho uma ideia muito vaga. Acho que era escuro, talvez fosse interior.
Da sala de jantar recordo os dias em que a minha amiga Tininha almoçava ou jantava lá: a sopa não era o que mais nos agradava, mas a minha mãe fazia um jogo _ os pratos da sopa tinham um cavalinho azul no fundo _ o primeiro cavalinho a ficar a descoberto, ganhava.
Da cozinha recordo o fogão a lenha, a máquina a petróleo e a grande bacia metálica ou pequena banheira, sei lá, que não estando lá sempre, aparecia quando era dia de banho geral.
Saindo da cozinha ficava o chamado balcão, que incluía uma pequena divisão com a indispensável retrete de madeira, cheio de sol, onde eu gostava muito de estar e onde fiz umas asneiritas: aí, num belo dia de inspiração, peguei uma tesoura e cortei as minhas repas.... não gostei, nem de me ver, nem da trepa que levei nesse dia. Ah... também cortei os bigodes ao gato e mais alguns pêlos até ele desatar a fugir.
Desse balcão descia-se para o quintal por umas escadas de granito. Um dia rebolei por elas abaixo e andei toda sarapintada de mercuro-cromo.
Uma divisão da qual me lembro muito bem era a salinha da costura e de passar a ferro, voltada para a rua Comendador Camacho Teixeira, porque ali estava o rádio, um aparelho já antigo, marca Alba, que levava muita pancada para trabalhar e por vezes parava mesmo. Aí o meu pai desmontava-o, reparava-o e ele ficava a trabalhar mas, de pernas para o ar, contribuindo para momentos hilariantes lá em casa.
Também nessa sala passava muito tempo à janela, fazendo bolinhas de sabão, enquanto que, na casa em frente, o Julinho Guimarães, um menino um pouco mais velho que eu, também as fazia.
A rua enchia-se de bolinhas, era uma diversão.
Um dia muito feliz que recordo daquela casa, foi quando fiz quatro anos _ os meus tios João e Fernanda Oliveira ofereceram-me um carrinho de bebé em palhinha, grande em relação ao meu tamanho, com o respectivo boneco. Fiquei de tal maneira encantada, que quase ignorei os restantes presentes, entre os quais um triciclo. Aqueles tios gostavam muito de mim. Era frequente oferecerem-me prendas.
Mas também lá tive um dia muito triste _ o meu cãozinho Boby atravessou a rua e morreu atropelado. Nem dá para entender, numa época em que os automóveis eram raros, então naquela rua era mesmo “lá vem um”, foi mesmo pouca sorte.

O Correio Velho



2. OS VIZINHOS

Apesar de ter saído do “correio velho” com quatro anos e meio, demasiado pequena para frequentar com assiduidade a casa dos vizinhos, lembro perfeitamente duas delas, porque, morando já em Brito Capelo, continuava a ir brincar com os amiguinhos da 1ª infância, principalmente com a Tininha _ a filha mais nova dos donos da Padaria Tavares. A Tininha tem a minha idade e, tal como eu, tem irmãos muito mais velhos. Era muito divertido brincar na casa dela porque o espaço era imenso. Íamos para a casa da masseira já que o pão era feito de madrugada e durante o dia estava vaga. Havia uns carros em ferro para transportar os sacos de farinha, uma estrutura retangular com quatro rodas e uma travessa a meio onde nos sentávamos e com os pés no chão lá os fazíamos mover, imitando os carrinhos de choque do Senhor de Matosinhos, com um barulho tremendo, já que eram de ferro e o eco repercutia-se naquele grande armazém.
Mesmo ao lado ficava a casa do forno. No Inverno era uma maravilha brincar ali. Mesmo sem estar a trabalhar ele mantinha-se de tal maneira quente que a “Rolanda”, a empregada doméstica, que eu imagino se chamaria Orlanda, fazia um bolo para o lanche e lá o cozia rapidamente. E que bem que sabia a acompanhar o chá das cinco.
Mas não ficava por aqui a brincadeira _ depois do pátio de acesso à residência, ficava um barracão que servia de garagem onde descansava um automóvel, digo descansava porque nunca o vi sair de lá mas que era bonito, lá isso era. Linhas quadradas, alto, achava eu, mesmo em cima do estribo não lhe via a parte superior e, muito brilhante. Ali fazíamos as nossas viagens imaginárias.
Foi lá que pela primeira vez vi garnisés e rolas. Os primeiros sempre em luta, as rolas eram a música de fundo daquela casa que recordo com saudade.

Os outros vizinhos que gosto de recordar viviam exactamente por cima da Padaria do Sr. Tavares _ uma residência maravilhosa, que ocupava o primeiro andar sobre toda a área da padaria.
Vivia lá um casal idoso, a D. Maria e o Sr. Guimarães e o tal Julinho (já citado por fazermos bolinhas de sabão) que creio que era sobrinho ou afilhado e não estava lá sempre.
Quem lá passa hoje, não consegue imaginar a casa que era naquele tempo: lindos tetos em baixo relevo, lambris em madeira até meia altura nas paredes sobre os quais, na sala de jantar, estava exposta uma grande colecção de chávenas de diversos formatos, cor e motivos, mas que tinham a particularidade de todas terem o seu interior dourado. Então eu dizia à minha mãe “a D.Maria deve ser muito rica porque tem chávenas de ouro”. Mas o que mais me encantava naquela sala era o enorme piano de cauda que o Sr.Guimarães raramente tocava, com pena minha que gostava muito de ouvir. Quando, sorrateiramente, me chegava junto para tocar uma ou outra tecla para ouvir o som, lá vinha a D.Maria, com pequeninos passos de corrida “ai ai, não se mexe”.

Outra casa que recordo, apesar de lá só ter entrado uma vez, era de uma família de pescadores, em frente à Padaria Lamecense. A Senhora Maria que se dava muito bem com a minha mãe e oferecia-lhe peixe muitas vezes, um dia levou-me para almoçar lá em casa. A curiosidade que me fez nunca esquecer esse dia é que não havia mesa nem pratos _ o almoço era no chão da sala, sobre uma toalha no meio da qual estava um enorme prato cheio de batatas cozidas onde as pessoas pegavam uma de cada vez. Depois apareciam as sardinhas assadas. Perante a minha indecisão, alguém me trouxe um pratinho e um garfo para eu comer como sabia. Soube depois pela minha mãe que era um costume antigo em Matosinhos e que em casa dos meus avós, quando ela era criança, esse costume era seguido na noite da Consoada de Natal.




3. A MUDANÇA PARA O CORREIO NOVO


O acto de mudar de casa está completamente apagado na minha memória, o que me leva a pensar que me terão mandado para casa dos meus avós nessa altura.
O que tenho bem gravado foi o dia em que lá vi uns senhores que eu não conhecia, de fatos escuros e chapéus a andarem por toda a casa e o meu pai no meio deles _ foi o dia da inauguração.
Também recordo o dia em que fiz cinco anos porque fiquei com uma foto. Acho que não tenho nenhuma anterior. 
A adaptação à nova casa foi boa. Ali tudo era grande e airoso. E a rua? Uma maravilha. Carros eléctricos, automóveis, gente, muita gente. O meu posto de eleição era a janela. Logo de manhã via os funcionários da Câmara a entrar ao serviço, o corre corre dos empregados das lojas e tudo o que fazia parte da vida da nossa vila: as padeiras de canastra à cabeça com o saco branco donde saía ainda o vapor do pãozinho quente; a leiteira com a canada à cabeça sobre uma rodilha;
o vendedor de azeite na sua carroça puxada por um burrinho, com os cântaros munidos de torneira e as almotolias, tudo muito reluzente. Estes também vendiam petróleo e o álcool desnaturado tão necessário para pegar as máquinas a petróleo; as peixeiras com os seus pregões característicos. Eu gostava muito que a minha mãe comprasse peixe, não pelo peixe propriamente, mas porque as peixeiras traziam sempre, num cantinho da canastra, embrulhadas num paninho branco, as famosas camarinhas, de que eu tanto gostava e que nunca mais vi.
Sem que se falasse ou pensasse sequer em reciclagem, o certo é que todos os meses lá aparecia a farrapeira que nos comprava o papel velho que juntávamos num saco de serapilheira. Também nos comprava os trapos que sobravam da costura e que serviam para fazer liteiros.
Em determinados dias de cada mês, quando eu acordava, ouvia um burburinho que me fazia correr para a janela. O que era? Era o dia de aferir balanças em que os vendedores ambulantes, carregando as ditas, aguardavam em grandes filas, à porta da Câmara, mais propriamente, à porta do aferidor, que tinha entrada independente.
O facto da rua Brito Capelo ser, naquela época, o centro da vila, para mais, junto dos Paços do Concelho, dava-me o privilégio de poder assistir a todos os acontecimentos de camarote. Recordo a visita do Presidente do Brasil, Café Filho, em 1955, a da Rainha Isabel ll em 1957 a quem acenava com bandeirinhas dos respectivos países assim como todo o tipo de eventos que tinham o seu ponto alto junto à Câmara.
Muitos outros pequenos apontamentos surgem por vezes na minha mente, não por saudade do tempo que já lá vai, mas grata por os ter vivido e poder recordá-los.

No meu 5º aniversário

4. A ESCOLA

Só pude entrar na primária com 7 anos feitos pelo que, um ano antes, fiquei triste por não poder ir para a escolinha. Os meus pais pediram à professora da Escola dos Sinos D. Aninhas, de quem eram amigos, que me deixasse assistir às aulas dela. E lá passei a ir à escola todos os dias, com pasta e lousa para uma sala da 4ª classe. Como as meninas eram mais crescidas, muitas queriam ser a minha professora e era um tal mandarem-me fazer algarismos, letras e desenhos, o que eu cumpria com gosto.... até à hora do recreio. Aí, havia uma casinha de bonecas onde brincavam as netas da professora e lá ficava a brincar com elas até à hora do almoço.
No ano seguinte, a escola a sério, foi na chamada Escola do Macário, na rua 1º de Dezembro. O nome advinha-lhe de uma mercearia que havia em frente, com esse nome. Também lhe chamavam escola da D. Lídia, porque era a professora que lá residia. O verdadeiro nome nunca o conheci. Ali fiquei três anos. Na 4ª classe, a professora foi colocada noutra escola, e a turma, quase toda, quis acompanhá-la. Fomos então para a chamada “Escola do Bairro” também conhecida por “Escola do Tarrafal” que tinha melhores condições que a anterior, típica do Estado Novo mas que, para mim, ficava muito longe de casa, então o meu irmão, à hora do almoço, ia buscar-me e levar-me na Cucciolo do meu pai, o que muito me agradava. Hoje já não existe. No seu lugar está o Centro Cívico de Matosinhos.
Na escola primária do meu tempo não havia TPCs, eram chamados “deveres”.
Eu fazia os deveres na estação de correios, numa secretária perto do gabinete do meu pai. Assim, os meus deveres nunca iam errados, porque as funcionárias passavam por mim de vez em quando, punham um olho aos meus trabalhos e, se houvesse erro, chamavam-me a atenção. Maravilha.
Deveres feitos, ficava com tempo para andar por ali, e percorria os diversos serviços acompanhando as funcionárias que eram muito minhas amigas. Lembro com saudade a D. Maria (dos óculos) que era a funcionária mais antiga, a Talinha Reina, a D. Escília ( a francesa), a D.Maria da Glória que ,tendo uma filha da minha idade, por vezes, nas férias, levava-me para casa dela para brincarmos.
Também recordo com carinho os carteiros meus amigos: O Sr. Abreu,era o mais velho, o Afonso, o Santos que parecia um actor de cinema ( achava eu ) , o Vicente, boletineiro, sempre a correr na sua bicicleta para entregar os telegramas.
Outra coisa que recordo desses fins de tarde era o que eu chamava “levantos”.O que era isso? Era um termo só meu. O meu pai saía da estação às 20 h, mas antes tinha de fazer contas e guardar o dinheiro no cofre. A minha ajuda consistia em fazer montinhos de moedas do mesmo valor; depois o meu pai embrulhava cada montinho em papel de seda e escrevia o valor. Adorava fazer esse trabalho.



Casa onde funcionou a Escola do Macário


1ª classe na Escola do Macário


4ª classe na Escola do Tarrafal (ou do Bairro)





5. DOENÇAS E OS REMÉDIOS CASEIROS DA MINHA MÃE

Raramente ia ao médico, as doenças eram tratadas pela minha mãe. Assim, se doía a garganta _ colherinhas de sumo de limão com açúcar, a escorregar devagarinho pela garganta;
se tinha tosse _ xarope de cenoura com açúcar mascavado, mas se a tosse vinha lá mais do fundo e fazia doer o peito _ emplastros de papa de linhaça;
para a gripe tinha um remédio muito bonito _ num prato fundo colocava açúcar e uma boa dose de água-ardente. Depois chegava-lhe um fósforo e aquilo começava a arder. Com uma colher ia mexendo o preparado e o fogo subia bem alto e muito colorido. Eu, já deitada, esperava que aquele fogo acabasse, sinal de que já não havia água-ardente e, às colheradas, lá ingeria o xarope que restava. Depois, era dormir muito quentinha, e de manhã estava boa;
se me sentia fraca, cansada _ sopas de cavalo cansado, que consistiam em fatias de pão polvilhadas de açúcar e canela e cobertas com vinho tinto quente;
ou então, as belas gemadas que tinham de ser feitas com ovos de confiança.
Todos estes remédios tinham a vantagem de serem muito docinhos pelo que nunca os recusei. Ao hospital só fui uma vez, para visitar o meu primo António Paiva, que tinha sido operado no Hospital de Santo António mas, não consigo lembrar-me se foi em casa ou no caminho para o hospital, engoli uma moeda de cinco tostões. Sei que, quando lá cheguei me deram um medicamento e sentaram-me num bacio ou vaso de noite, vulgo penico, ao lado da cama onde estava o meu primo e, enquanto durou a visita ali estive eu, no meu tratamento, o qual surtiu seu efeito para gáudio de toda a assistência.



6. A CASA DOS MEUS AVÓS


Os meus avós, avô General e avó Micas, moravam na rua Álvaro Castelões, mesmo em frente à Escola dos Sinos. Adorava lá estar. A casa ainda existe, embora renovada, mas o que me encantava era o quintal, enorme, para além do pátio, com árvores e horta,.Tinha um grande tanque em pedra e a bomba de puxar a água era uma roda de ferro enorme. A esta distância, eu já não sei se essa roda não seria de um tamanho normal, eu é que era muito pequena. Esse quintal há muito que desapareceu para dar lugar ao prédio onde hoje está o Café Sinos.
Mas o que eu gostava mesmo era de brincar na rua. Acompanhada pelo meu primo Duarte jogávamos ao cabazinho. “ Cabazinho”, era a tampinha metálica com os bordos ondulados das laranjadas, pirolitos ou outras bebidas. O jogo consistia em fazer o cabazinho deslizar pela guia do passeio, ultrapassando cada junção das pedras com o impulso do dedo médio sob a pressão do polegar e, sem que caísse do passeio, claro. O que nos divertíamos nesses pequenos campeonatos. Ah! Ainda não passavam lá autocarros.
 Nessa casa também brinquei muito com as minhas primas Zezinha e Tatão durante o tempo em que lá viveram antes de irem para Angola com os pais.


Os meus avós maternos em 1953





7. A AVÓ VELHINHA

A avó velhinha era avó do meu pai e vivia na rua Roberto Ivens com um casal de primos do meu pai. Era mesmo velhinha, pois faleceu com 111 anos, em 1950. Lembro-me de a visitar com a minha mãe mas, o que melhor recordo é que, pelo Natal, íamos levar-lhe Bolo-Rei e na Páscoa o Pão-de-Ló e amêndoas. Achava-lhe muita graça porque ela punha logo uma amêndoa na boca sem dentes e fazia carinhas cómicas.
Esta avó foi notícia no jornal no dia em que fez 105 anos pelo facto de ainda fazer renda sem necessitar de óculos.



A minha bisavó paterna no Jornal "A Voz de Matozinhos"em 1944



8. OS PICNIQUES

Os picniques eram uma constante na nossa família. Talvez porque na minha infância os meus irmãos eram já jovens adultos, organizavam grandes picniques em família extensivos aos seus amigos. Realizam-se em lugares muito aprazíveis ali para os lados de Manhufe ou do Monte Castêlo.
Havia, no entanto, um picnique que se realizou anualmente, desde que eu me conheço, ininterruptamente, enquanto o meu pai viveu. Era no dia 15 de Agosto, em Santa Cruz do Bispo, mais exactamente no Monte de S.Brás.
O motivo era uma promessa da minha mãe à Senhora da Saúde, que ela cumpria fervorosamente, indo a pé, de casa até à Igreja de Santa Cruz do Bispo para assistir à missa de festa; de início com o meu irmão ao colo, visto que a promessa era pela saúde dele, muito precária enquanto pequenino, depois pela mão e, pela força da sua fé, assim continuou, anos fora, até caminhar amparada pelo seu braço forte e saudável. Quando já não era humanamente possível cumprir a promessa a pé, o meu irmão passou a levá-la de carro para assistirem à missa. E assim foi até aos seus maravilhosos cem anos.
Voltando ao picnique _ então a família e amigos aproveitavam esse dia e todos seguiam a pé, com os cestos do merendeiro, o garrafão e tudo o que era necessário para um dia bem passado ao ar livre. A miudagem, onde me incluía, carregávamos almofadas e liteiros e fazíamos o caminho cantando e rindo na maior alegria. Chegados a Santa Cruz, paragem para descanso. Os que tinham interesse em assistir à missa entravam logo na igreja, porque não era fácil arranjar lugar sentado já que a missa era de festa, o sermão bem longo e, demorava duas horas. O restante pessoal, ou ficava pela Quinta do Bispo ou ia andando para o Monte de S.Brás onde se realizava o picnique. O repasto só começava depois das 13,30 h, quando chegavam a minha mãe, o meu irmão e quem os acompanhava. Oh! Maravilha. O arroz de açafrão chegava lá quentinho, no tacho bem embrulhado em panos e depois em jornais. Os variados acompanhamentos, quentes ou frios, conforme o que era destinado previamente, o certo é que, tudo sabia pela vida. O melão, a melancia e a regueifa eram comprados junto à igreja, já que, sendo dia de festa, havia lá uma feirinha. Acabada a refeição, uns dormiam, outros faziam jogos, dançar, cantar, subir a escadaria até ao Homem da Maça _ era tudo à vontade de cada um. Mas o melhor da festa, para mim, vinha depois, no regresso. Cestos arrumados, investigação ao local para que não ficasse o mínimo vestígio, descíamos até ao Rio Leça, ali bem perto, e chegados ao moleiro atravessávamos a pequena ponte para subir depois o monte, autentico corta mato, até ao apeadeiro do comboio que nos trazia até à Estação de Leixões. Recordo uma vez em que o rio ia muito cheio e passava sobre a ponte, tivemos que nos descalçar para a passar, mas a minha avó, que usava sempre meias, mesmo em Agosto, não se quis descalçar e passou a ponte numa cadeirinha feita a quatro mãos de dois dos homens do grupo.
A viagem de comboio era uma aventura. Além da tralha que trazíamos de volta, ainda colhíamos ramos de eucalipto, urze e alecrim dos campos por onde passávamos.
Mas o dia ainda não chegara ao fim _ apeados do comboio, atravessávamos a estrada e em frente voltava a ser campo e que lindo que era, sob a luz do entardecer. Voltávamos a assentar arraiais para dar cabo do que restava do farnel. Ao lusco-fusco, com os cestos vazios, regressávamos então, cada qual a sua casa, felizes por um dia bem passado.
Este era o procedimento habitual, do dia 15 de Agosto, diferindo apenas no número de pessoas: a família ia sempre, os amigos é que poderiam ser em maior ou menor número. Mas houve um ano, teria eu 6 ou 7 anos, foi diferente porque tive de integrar a procissão vestida de anjinho: o meu tio João estava muito doente. Então a minha mãe, com a sua devoção na Senhora da Saúde, de Santa Cruz do Bispo, como já citei, prometeu, pelas suas melhoras, levar-me de anjinho, na procissão daquele dia de festa mas, com a condição de o meu tio pagar os meus sapatos. Esta história era contada muitas vezes, com graça, já que o meu tio, que não tinha tanta fé, mas queria curar-se, disse logo que sim, que pagaria os sapatos que ela escolhesse. Ele curou-se e eu ganhei os sapatos mais bonitos até aquela data _ de verniz branco, impecáveis.


Picnique na Ponte do Carro em 1950

Picnique no S. Brás


Procissão em Santa Cruz do Bispo em 1949



9. OS MEUS IRMÃOS

Dos meus queridos irmãos guardo as mais ternas recordações. Pela grande diferença de idades, desde sempre me dispensaram um carinho enorme que eu sempre retribuí com todo o amor, como se fossem os meus segundos pais.
Ao meu irmão, sempre tratei por Zé, enquanto que, à minha irmã _ a Quininha _ sempre tratei por mana. Ainda hoje é assim.
A mana sempre cuidou de mim: preparava-me para ir para a escola, confeccionava a minha roupa e, que lindos vestidos ela me fazia, muitas vezes com o aproveitamento de roupas usadas, dela própria ou da minha tia Fernanda, ou de tecido novo quando era para estrear nas festas: Natal, Páscoa e Senhor de Matosinhos _ tinha sempre direito a roupa nova.
Os meus pais raramente faziam férias, mas a mana e eu íamos para casa de amigos passar alguns dias. Apesar dela já ser adulta, os nossos pais não a deixavam ir sozinha, daí a minha sorte, que bem gostava de a acompanhar: ora numa casa de lavoura, em Leça do Balio, onde acompanhávamos todo o trabalho desde a apanha de fruta e legumes, alimentar os animais, recolher os ovos e, o melhor da festa – a desfolhada no fim do Verão, ora em Penafiel ou Lousada mas, as melhores férias, eram as de Leça do Balio.
Pela minha parte, a único serviço que prestei à mana, foi servir-lhe de “pau de cabeleira” quando ela estava a namorar. Não sei se ela gostava muito, mas era uma imposição da nossa mãe.
O Zé começou cedo a trabalhar e, além dos mimos que me dispensava, oferecia-me o que eu mais gostava desde que aprendi a ler _ livros infantis. Troquei de boa vontade os brinquedos pelos livros e sempre que podia, refugiava-me com eles no meu cantinho predilecto, onde havia um pequeno sofá e um candeeiro de pé, feito com canas da Índia, pelo meu próprio irmão que era _ e ainda é _ muito habilidoso. Recordo dessa altura, peças de decoração em ferro forjado e um cão quebra nozes que ainda existe. O seu bom humor animava as festas em família assim como o nosso dia a dia _ ele contava anedotas, cantava, fazia poemas que adaptava a músicas então em voga, ora brejeiros, ora mais elaborados se se destinavam às festas da JOC (Juventude Operária Católica) à qual pertencia. Um dia surpreendeu-nos quando decidiu fazer cerveja. Também aí se saiu muito bem.
Profissionalmente o Zé era electricista. Um dia, ouvi uma conversa entre os meus pais e a minha irmã, sobre um jovem electricista que, estando a desempenhar o seu trabalho, sofreu um acidente e morreu electrocutado. Sabendo que o meu irmão tinha a mesma profissão, fiquei de tal maneira assustada que, a partir daí, sempre que ouvia uma ambulância, o meu coração batia mais forte e rezava para que nada de mal lhe acontecesse. Este sentimento acompanhou-me por longos anos e presentemente, muito mais desvanecido, ao som da ambulância ainda associo essa ideia. Felizmente a sua carreira profissional sempre correu bem e aposentou-se feliz e de boa saúde.


Eu e os meus manos em 1953



10. FUTEBOL, CINEMA, PESCA À LINHA, ETC.



Para todos estes passatempos eu era a companhia do meu pai. E como eu gostava de ir com ele ao antigo campo de Santana, ver o nosso Leixões. Apesar dele ser mais leceiro, íamos mais vezes ver o Leixões que o Leça.
Às cowboiadas no Constantino Nery, era eu que o acompanhava. A minha mãe e a minha irmã só gostavam de ir ao cinema para ver o Errol Flinn, Fred Astair, Ginger Rogers, Pedro Infante e outros do género naquela época. É claro, os bilhetes eram gratuitos e os lugares cativos _ fila 9 – nº 3,5 e 7 graças à magnanimidade do Sr Sousa.
Também na pesca à linha, quando o tempo estava agradável, lá ia com ele, paredão fora, na Cucciolo, até à ponta do molhe sul. Vínhamos com muitas fanecas no cacifo, lindas, douradas que agradavam muito à minha mãe.

 Um pouco mais tarde, devia eu estar já na pré-adolescência, comecei a acompanhar o meu pai aos eventos da Câmara de Matosinhos, normalmente apresentados no Posto de Turismo, que consistiam em concertos e exposições que eu adorava.


A Cucciolo (na época tinha uma almofada na grade bagageira onde eu me instalava



11. O NATAL


O Natal da minha infância foi, durante mais tempo do que seria suposto, uma quadra de sonho. Eu acreditei que era o Menino Jesus quem punha os presentes no sapatinho. Por mais que as minhas colegas da escola primária me dissessem que eu estava a ser enganada, eu não acreditava nelas. “Na minha casa é mesmo o Menino Jesus, só pode”. E argumentava que a minha mãe sempre me dizia que não se podia comprar, isto ou aquilo, que era muito caro, que não havia dinheiro para essas coisas, enfim, durante todo o ano eu bem podia pedir brinquedos...não havia. Chegava o Natal o Menino dava-me tudo o que eu tinha pedido. Então no ano em que recebi a boneca mais bonita que eu tinha visto no Bazar Galante e que nem ousei pedir, só olhava, aí não tive dúvidas, a minha mãe nunca a compraria. Perante estes argumentos as minhas colegas desistiam e diziam entre elas _ Ele à minha casa não vai, eu sei que é a minha mãe.
Para ajudar esta minha crença, toda a família armava o cenário conveniente e, à distância, consigo aperceber-me de quanto eles se divertiam: começava a época natalícia e a minha mãe e a minha irmã saiam muitas vezes de casa mas não me deixavam acompanhá-las _ “ficas em casa à espera do perú que alguém cá vem trazer”_ e eu ficava. Foi assim ano após ano. O perú nunca me foi entregue. Quando chegava era a minha mãe que o trazia.
O avô General também fazia o teatro dele: era o último a chegar à ceia porque saía tarde da fábrica. Então entrava na sala a correr dizendo que tínhamos de nos despachar porque já tinha ouvido os sininhos lá para os lados da fábrica, pelo que o Pai Natal estava perto. Perante a minha ansiedade ele dizia “calma que são muitas casas onde ele tem de entrar, ainda vai demorar”.
Só por volta dos meus 8 anos é que começaram a deixar de tentar enganar-me e devo confessar que senti uma grande desilusão, não só pela perda daquela magia mas também por sentir que tinha sido mais pateta que as minhas colegas.






12. A PRÉ-JOC


Talvez porque o meu irmão pertencia à Juventude Operária Católica, eu também quis pertencer e lá me foram inscrever. Aos domingos, depois da missa das 10 horas, íamos para a residência do pároco de Matosinhos, ainda não existia Salão Paroquial, onde se faziam as reuniões. Como era muito miúda fiquei numa classe intitulada “Benjaminas” integrada na pré-JOC. Enquanto durou essa condição, as reuniões pouco me diziam, mas o convívio era agradável. Mais tarde, já a sério, era preciso estar com atenção e até prestar provas em temas que tinham a ver com formação cívica e moral. Mas o bom de festa eram mesmo “as festas”. _ Cantávamos, dançávamos, recitávamos, ensaiávamos peças de teatro, era uma animação.
Foi através deste grupo que comecei a sair um pouco de debaixo da asa da mãe.
Faziam os chamados “retiros” sobre determinados temas, previamente tratados nas reuniões mas, o que melhor lembro, era a parte lúdica _ uma vez foi no Liceu D.Manuel II, outra num edifício em frente ao Palácio de Cristal outra ainda no Liceu Luso-Francês _ em todos, após as cerimónias e as palestras, almoço e tardes de jogos e brincadeira.






13. O CICLO PREPARATÓRIO

Começava uma nova e importante etapa da minha vida. Contrariando a vontade da minha mãe que não me queria tanto tempo fora de casa, que queria que eu aprendesse costura e, como ela dizia, coisas de menina, eu apoiava-me no meu pai, que sempre me incentivou a estudar e vinha em meu auxílio sempre que surgia algum entrave por parte da minha mãe. Sei que não o fazia por mal – era uma questão de cultura _. Até aí, na família, só os homens iam além da instrução primária. Foi assim com as minhas primas mais velhas do que eu. Só a partir de mim se rompeu a essa barreira e, felizmente, todas passaram a prosseguir estudos.
Tive a sorte entrar no ciclo no ano em que foi inaugurada a Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, no Palacete Visconde de Trevões. Tive professores maravilhosos e óptimos colegas, num ambiente de camaradagem e entre-ajuda que me faz recordar esses tempos com saudade.
O gosto e especial interesse de alguns dos professores nas actividades extra-curriculares, levaram a que a direcção da escola contratasse um actor do Teatro Experimental do Porto, o Sr. Ferreira, creio que aposentado, devido à sua idade, para preparar os alunos, para as diversas festa que ali se faziam, principalmente no Natal e no fim do ano lectivo. Tive a honra de participar em tudo: recreação de quadros históricos, declamação de poemas de Camões e Fernando Pessoa entre outros; bailados e folclore, para o que também contrataram uma professora nessa área, a
Menina Celina que era acompanhada ao piano pela Senhora sua mãe; e ainda no coral da escola, a cargo da professora da disciplina de Canto Coral. O nosso grupo coral além de abrilhantar as festas da Escola, participou também em missas de festa na Igreja de Matosinhos, com muito sucesso.
Ainda em relação ao teatro recordo que também os cenários eram produto interno, para o qual colaboravam os mestres das oficinas _ Mestre Custódio e Mestre Victor.
Ao 3º ano da escola deixamos de ver o Senhor Ferreira, mas tivemos o privilégio de passar a ser dirigidos pelo grande actor João Guedes.





14. A MOCIDADE PORTUGUESA

No ano em que a escola foi inaugurada e, até talvez no ano seguinte, não havia Mocidade Portuguesa Feminina. Só masculina. Era vê-los todos garbosos, nas suas fardas, ao sábado de manhã, a marchar ao som dos tambores e a treinar os procedimentos nas paradas, sob as ordens do Mestre Victor.
Um grupo de meninas, habitualmente muito bem comportadas, no qual eu me incluía, decidiu imitá-los e, a uma distância considerável, lá íamos fazendo o mesmo que eles.
O Mestre Victor não gostou, entendeu que estávamos a troçar do trabalho dele e, vai daí, dirige-se ao Gabinete do Director onde apresentou queixa do nosso grupo.
Todas ao Director. JÁ!! Disse a contínua _ Menina Guilhermina _ aterrorizadas, lá fomos ao gabinete: o Mestre Victor com cara de mau, que habitualmente não tinha, e o director que nos conhecia muito bem, pois era nosso professor de Matemática, a esforçar-se por parecer mau. Quis saber o que nos tinha passado pela cabeça e entendeu muito bem que o que fizemos não foi por mal, antes pelo contrário. No fim de contas, o que queríamos era também pertencer à Mocidade Portuguesa.
No ano seguinte iniciavam-se na escola as actividades da Mocidade Portuguesa Feminina. Não era obrigatório mas, para tomar parte em determinados eventos era necessário comprar a farda. Por esse motivo, nem todas as que queriam puderam aderir. Mais uma vez, com a minha mãe contra e com o meu pai a favor, compraram-me a farda. A minha mãe era contra porque já imaginava que ia ser motivo para eu estar mais tempo fora de casa. E não se enganou. A primeira saída foi para o funeral do então Presidente da Câmara _ Dr. Aroso. Foi em Lavra e chovia torrencialmente, daí não ter esquecido esse dia. Outros eventos e pequenos acampamentos estão um pouco vagos na minha memória, mas há um que valeu por todos em que adorei ter participado _ a inauguração do Padrão dos Descobrimentos em Lisboa _ é que foram uns três ou quatro dias fora de casa, com amigas, em que a graduada que nos acompanhou era pouco mais velha do que nós mas conhecia muito bem Lisboa. Ficamos hospedadas numa instituição cujo nome não recordo, mas que tinha óptimas instalações onde dormíamos e fazíamos as refeições do pequeno almoço e jantar enquanto que os almoços eram na cantina do Instituto Superior Técnico. Além da
zona de Belém, tivemos tempo para conhecer a baixa de Lisboa e a zona circundante às instalações onde ficamos. Foi uma experiência óptima.






15. O ORFEÃO DE MATOSINHOS

Foi, sem dúvida, a minha segunda casa, durante a infância e adolescência. O meu pai ia lá tomar o seu cafezinho depois do almoço e do jantar e eu, muitas vezes acompanhava-o. Além disso, à época, aquela colectividade fervilhava de eventos _ era o coral com os seus frequentes concertos, os grupos de variedades, o grupo cénico infantil, ao qual tive a honra de pertencer, os animadíssimos bailes que provocavam enchentes naquele salão que tanta saudade deixou aos seus frequentadores. Durante muitos anos a passagem de ano da minha família foi sempre no OM, assim como o Carnaval, o S.Martinho e qualquer data que merecesse festejo, lá estava o Orfeão de portas abertas para bem receber os seus associados com belos saraus ou simples bailaricos ao som das melhores orquestras. A tudo eu assistia com o maior agrado. Mas também tomei parte activa, por vezes. Recordo uma pequena peça de teatro ali representada pelo grupo cénico infantil _ tratava-se de uma reunião na corte de D.João V, com o real casal no seu trono, ladeados pelos príncipes, pagens, bobos, etc. Os convidados entravam em cena depois de anunciados pelo arauto, todos de sangue azul, é claro. Apesar de me lembrar muito bem de todos os amigos que participaram, até porque tenho uma foto do grupo, o nome das personagens está esquecido, a não ser o meu próprio que, a par do Joel Moreira (que Deus tenha) formávamos “os Marqueses do Não te Rales” e o da minha prima Maria Helena que, com o Jorge Moreira formavam “os Barões do Chega Tarde”. A curiosidade destes nomes é que foram dados à posteriori , durante os ensaios, de acordo com as características dos intervenientes: enquanto que os primeiros entravam em cena com toda acalma do mundo, os segundos entravam apressados como se algo os perseguisse. Tenho pena de não recordar o nome das outras personagens mas, já lá vai mais de meio século...
Pelo Carnaval participava sempre nos divertidos concursos de fantasias.
Mais tarde, já na pré-adolescência, participei no Concurso do Vestido de Chita, organizado pelo OM do qual guardo a foto a receber o prémio de 2ª classificada com a respectiva tiara de princesa.

Grupo Cénico Infantil do OM


Recriação da festa Infantil no pátio da Casa Angola (não havia fotos da récita)




Concurso do Vestido de Chita  em 1957




Sendo o propósito deste apontamento relembrar apenas momentos da minha infância, não dá para alongar mais senão referir o quanto fui feliz e que devo essa felicidade aos meus queridos e saudosos pais e aos meus muito queridos irmãos Zé e Mana (Quina), bem hajam.

Leça da Palmeira, 24 de Janeiro de 2014


 

sábado, 18 de agosto de 2012

Aniversário natalício

Dia 18 de Agosto de 2012.  A minha querida Mãe faria hoje 101 anos, mas partiu há cerca de 5 meses.
 Já não há a grande festa familiar de  muitos anos, mas reunimo-nos numa missa em sua memória.
Uma memória feliz de doce saudade.

Ocorreu-me então que:

Lá, no mundo sem peso nem volume,
Brilha o que de bom se fez na vida
_ Tudo em luz se resume _
E prossegue a festa à Mãe querida.