Blog de Maria da Conceição Paiva Machado
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
CINQUENTENÁRIO DO CENTRO DE ASSISTÊNCIA DA APDL
Comemorou-se hoje o cinquentenário do Centro de Assistência da APDL. É uma data importante na história daquela Administração, na vida de todos os seus funcionários e familiares e para mim, pessoalmente, já que a minha entrada ao serviço da APDL foi, exatamente, para o Centro de Assistência.
Cabe-me por isso a honra de ser a funcionária mais antiga daquele serviço e assim poder registar aqui como tudo começou.
…........... Era um anseio antigo de todos os trabalhados, numa época em que o acesso a cuidados de saúde era escasso e caro, que encontrou na administração de então, o Presidente Dr. Antão Santos da Cunha e do Dr. Fernando Moreira, o Presidente que lhe sucedeu, a sensibilidade e carinho necessários para a sua implementação.
Existiam já serviços congéneres nos CTT e nos TLP, mas foi à imagem e semelhança do Centro de Assistência do Porto de Lisboa que foi criado o nosso. Foi o Dr. Joyce Moniz, do Porto de Lisboa, indigitado para proceder à clonagem do serviço.
O que nesta data se comemora é a autorização ministerial para a criação do Centro de Assistência Médico-Cirúrgica. O serviço propriamente dito, com instalações próprias, só surgiria no início de 1967.
Quando fui admitida ao serviço da APDL, em 2 de Setembro 1966, ainda o Dr. Joyce procedia às diligências de que tinha sido incumbido assim como a Enfermeira Mercedes Veiga, também de Lisboa, inicialmente indigitada para chefiar o serviço, mas que não chegou a concretizar. Foi então admitida a Enfermeira Nunes Monteiro para chefiar o Centro de Assistência, por cuja dedicação profissional, empenho e sensibilidade natural a tornou a alma daquele serviço que, em pouco tempo, superou o do Porto de Lisboa. E superou, porquê? Foram vários os motivos mas o principal, sem dúvida, foi a adesão em massa de todos os funcionários, trabalhadores, aposentados e respectivos familiares os quais, confiando e acarinhando o novo serviço o fizeram crescer. Por seu lado, a Administração, entendendo essa confiança e anseios do pessoal, tudo fez para o engrandecer e consolidar.
O Corpo Clínico formado inicialmente por convite da Administração era composto por nomes altamente qualificados à época pelo que, pertencer-lhe, era um prestígio pelo qual muitos médicos acorriam a pedir a sua integração.
E assim o serviço foi crescendo, alargando benefícios, sempre ao encontro de novas necessidades e, para isso, além dos nomes já citados devo aqui lembrar dentre muitos outros, o primeiro Director Clínico Dr. Jacinto de Magalhães, o primeiro Director das Obras Sociais Dr. Lima Torres, a primeira Assistente Social Drª Manuela Antunes.
Cinquenta anos se passaram e a atual equipa do Centro de Assistência sob a iniciativa da chefe do serviço Drª Laura Andrade, carinhosamente, celebrou esta data e tiveram a amabilidade de convidar os antigos funcionários que lá prestaram serviço ao longo das cinco décadas.
Com a honrosa presença do Presidente do Conselho de Administração, Engº Brogueira Dias e demais elementos do Conselho, O Diretor Clínico Dr. João Ribeiro e a incansável Drª Laura Andrade, assistimos a uma retrospectiva da atividade do Centro de Assistência a qual, por parte da Drª Laura fruto de apurada pesquisa, enquanto que, por parte do Presidente do Conselho de Administração por completo conhecimento de causa.
Seguiu-se o descerramento da lápide comemorativa e o brinde acompanhado pelo bolo de aniversário.
Foi um agradável momento de convívio e agradável a constatação de que a atual equipa dispõe de energia e vontade de continuar a obra que outros ajudaram a criar e que continua a ser de todos e para todos.
E para terminar um lamento, já que nem tudo pode ser como gostaríamos:
_ esperava encontrar muitos dos colegas com quem compartilhei mais de 30 anos de atividade profissional e, afinal, encontrei muito poucos. Tive pena.
Mas tive o prazer de abraçar as Enfermeiras Aquilina Rego, Carolina Quinta e Ilda Tinoco; os administrativos Rosa Adelaide, Maria José Correia e Carlos Silva e ainda Lucinda Ramalho e D. Emília.
Descerramento da lápide comemorativa
Bolo de aniversário
domingo, 31 de maio de 2015
31 de Maio - dia dos irmãos
Em tempos que já lá vão
desnecessário seria
haver dia para os irmãos
que amigos maiores não havia.
Bastava vê-los sorrir
ter a sua companhia
sempre prontos a acudir
nos afazeres do dia a dia.
Que afortunada eu fui
Que em vez de um, tive dois
um irmão e uma irmã
E, quem tal amor usufrui
tem na vida dois faróis
protetores, qual talismã.
Com um beijo para os meus queridos manos
Zé e Quina
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Homenagem ao Bisavô Machado
Neste dia 8 de Outubro foi a sepultar o meu sobrinho Pedro Manuel. Tentando amenizar a dor de sua mãe, Dalila Machado Morais, enviei-lhe este soneto, porque a vida continua e ela tem descendência que lhe pode dar muita alegria e felicidade. No caso presente a neta Inês, homenageando ao mesmo tempo o seu saudoso pai Cristiano Machado, meu sogro.
“Se lá
do assento etéreo onde subiste
Memória
desta vida se consente”
Imagino-te
a sorrir serenamente
À
bisneta que, por cá, então não viste.
A
Inês da tua querida Paulinha
Trilhou
afoitamente o teu caminho.
Depois
do curso brilhante, esta menina
Tal
como tu, fez da Marinha o seu destino.
E,
se não bastasse a semelhança,
Como
Piloto ela ruma à tua Ilha
Num
vai-vem de Leixões a S.Miguel.
Pede
a Deus que lhe dê mares de bonança
E
que a neta da tua querida filha
Honre
a carreira a que também foste fiel.
sábado, 1 de março de 2014
Dia 1 de Março
Aniversário natalício de meu pai - faria hoje 107 anos.
Em sua memória
Aniversário natalício de meu pai - faria hoje 107 anos.
Em sua memória
O TEMPO E O PENSAMENTO
O tempo
marcado pelo tic tac do
relógio,
pelo desfolhar do
calendário,
pelas primaveras e
invernos desta vida,
tudo traz ao nosso
encontro:
bom e mau,
alegrias e tristezas,
o drástico afastamento
daqueles a quem amámos.
Ao contrário, o
pensamento
é elástico _ quanto
mais de nós se afasta,
fica lasso, já não dói
e as marcas que antes
deixara
diluem-se em doce saudade.
Leça da Palmeira, 1 de
Março de 2014
MC
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
O MATRIMÓNIO DOS MEUS PAIS
Em 31 de Janeiro de 1929
Completam-se hoje 85 anos sobre o casamento de Elisa Ferreira da Silva com Manuel de Paiva Júnior.
Completam-se hoje 85 anos sobre o casamento de Elisa Ferreira da Silva com Manuel de Paiva Júnior.
Guardo em meu relicário
Uma carta bem velhinha,
Entrecortada pelos vincos
Amarelada pelos tempos
Onde, em tom cerimonioso
Mas repleto de paixão,
Manuel pedia a Elisa
Um cantinho no seu coração.
MC
A carta a que me refiro está datada de 4.1.1926 e é proveniente do Largo 13 de Fevereiro nº 5 em MATOZINHOS.
sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
MEMÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA
Aos meus queridos e saudosos pais eu dedico estas memórias da minha infância
Aos cinco primeiros minutos do dia 10 de Junho de 1944, na rua Dr. José Ventura, nº 126, esquina com a rua do Pombal, bem no coração de Matosinhos, nascia esta menina, um tanto fora de tempo, como dizia a nossa mãe, já que a diferença para o meu irmão era de 14 anos e 13 para a minha irmã.
Elisa e Manuel de Paiva Júnior
Aos cinco primeiros minutos do dia 10 de Junho de 1944, na rua Dr. José Ventura, nº 126, esquina com a rua do Pombal, bem no coração de Matosinhos, nascia esta menina, um tanto fora de tempo, como dizia a nossa mãe, já que a diferença para o meu irmão era de 14 anos e 13 para a minha irmã.
Desta casa
não tenho qualquer memória, porque saí de lá ainda bebé, a não
ser, pelo que me foi contado, que ali se passou a minha primeira
aventura: estava eu no meu berço, perto de uma janela do
rés-do-chão, veio uma tia avó que resolveu fazer uma gracinha e,
pela rua, retirou-me do berço, e dirigiu-se à porta de entrada para
me entregar à minha mãe. Só que nesse pequeno intervalo, a minha
mãe deu pela falta e, não fosse a rapidez da entrega, teria
passado um mau bocado. Quanto à tia, ouviu tantas, que passou a
pensar duas vezes antes de fazer das suas. Mas apenas de fazer,
porque quanto ao dizer, ela não parava para pensar _ era a pessoa
mais engraçada de que tenho recordação. Numa frase de cinco
palavras, três eram asneirolas. Junto dela ninguém estava triste e
as obscenidades que proferia tinham sempre o ar de gracejo, sem ferir
ou melindrar quem a ouvia. A minha mãe que também lhe achava
graça, aproveitava sempre para me dizer _ aquilo são palavras
feias que não deves nunca repetir_.
E a verdade é que nunca tive tendência para as usar. A minha única
expressão de desagrado ou contrariedade, ainda hoje, é a que era
usada pelo meu pai “canudo!”
ou “que canudo...”.
A casa onde nasci
1. O CORREIO VELHO
Dos quatro
anos e meio que se seguiram tenho imensas recordações, embora tenha
dificuldade em ordená-las no tempo.
Era a
estação de correios de então, na rua Roberto Ivens. nº 394
esquina com a rua Comendador Camacho Teixeira, à qual passamos a
chamar “correio velho” quando a estação mudou para a Brito
Capelo.
A
lembrança, por certo a mais antiga é, deitada no meu berço, de
madeira , cuja base era arredondada, ao lado da cama dos meus pais e
o meu pai, com um pé fora da cama, a balouçá-lo.
Brincava
muito sozinha, em cima da cama dos meus pais, enquanto eles iam ao
cinema, ao Constantino Nery. Ali ficava com uma caixa de
fotografias, postais ilustrados, santinhos e outras papeladas,
objetos do quarto como dois cães em louça, que nunca se partiram
enquanto brinquei com eles e que, muito mais tarde, com grande pena
minha, lá se foram; um crucifixo de celulóide, amarelo, que eu
retirava da parede porque era muito leve. Quando acordava, já estava
na minha cama.
No quarto
da minha irmã, que passou também a ser meu quando já não cabia no
berço, tinha um armário enorme dentro do qual eu me movimentava à
vontade, ou seria eu que era demasiado pequena?
Do quarto
do meu irmão tenho uma ideia muito vaga. Acho que era escuro,
talvez fosse interior.
Da sala de
jantar recordo os dias em que a minha amiga Tininha almoçava ou
jantava lá: a sopa não era o que mais nos agradava, mas a minha mãe
fazia um jogo _ os pratos da sopa tinham um cavalinho azul no fundo
_ o primeiro cavalinho a ficar a descoberto, ganhava.
Da cozinha
recordo o fogão a lenha, a máquina a petróleo e a grande bacia
metálica ou pequena banheira, sei lá, que não estando lá sempre,
aparecia quando era dia de banho geral.
Saindo da
cozinha ficava o chamado balcão, que incluía uma pequena divisão
com a indispensável retrete de madeira, cheio de sol, onde eu
gostava muito de estar e onde fiz umas asneiritas: aí, num belo dia
de inspiração, peguei uma tesoura e cortei as minhas repas.... não
gostei, nem de me ver, nem da trepa que levei nesse dia. Ah... também
cortei os bigodes ao gato e mais alguns pêlos até ele desatar a
fugir.
Desse
balcão descia-se para o quintal por umas escadas de granito. Um dia
rebolei por elas abaixo e andei toda sarapintada de mercuro-cromo.
Uma divisão
da qual me lembro muito bem era a salinha da costura e de passar a
ferro, voltada para a rua Comendador Camacho Teixeira, porque ali
estava o rádio, um aparelho já antigo, marca Alba, que levava muita
pancada para trabalhar e por vezes parava mesmo. Aí o meu pai
desmontava-o, reparava-o e ele ficava a trabalhar mas, de pernas para
o ar, contribuindo para momentos hilariantes lá em casa.
Também
nessa sala passava muito tempo à janela, fazendo bolinhas de sabão,
enquanto que, na casa em frente, o Julinho Guimarães, um menino um
pouco mais velho que eu, também as fazia.
A rua
enchia-se de bolinhas, era uma diversão.
Um dia
muito feliz que recordo daquela casa, foi quando fiz quatro anos _ os
meus tios João e Fernanda Oliveira ofereceram-me um carrinho de
bebé em palhinha, grande em relação ao meu tamanho, com o
respectivo boneco. Fiquei de tal maneira encantada, que quase ignorei
os restantes presentes, entre os quais um triciclo. Aqueles tios
gostavam muito de mim. Era frequente oferecerem-me prendas.
Mas também
lá tive um dia muito triste _ o meu cãozinho Boby atravessou a rua
e morreu atropelado. Nem dá para entender, numa época em que os
automóveis eram raros, então naquela rua era mesmo “lá vem um”,
foi mesmo pouca sorte.
O Correio Velho
2. OS
VIZINHOS
Apesar de
ter saído do “correio velho” com quatro anos e meio, demasiado
pequena para frequentar com assiduidade a casa dos vizinhos, lembro
perfeitamente duas delas, porque, morando já em Brito Capelo,
continuava a ir brincar com os amiguinhos da 1ª infância,
principalmente com a Tininha _ a filha mais nova dos donos da Padaria
Tavares. A Tininha tem a minha idade e, tal como eu, tem irmãos
muito mais velhos. Era muito divertido brincar na casa dela porque o
espaço era imenso. Íamos para a casa da masseira já que o pão era
feito de madrugada e durante o dia estava vaga. Havia uns carros em
ferro para transportar os sacos de farinha, uma estrutura retangular
com quatro rodas e uma travessa a meio onde nos sentávamos e com os
pés no chão lá os fazíamos mover, imitando os carrinhos de choque
do Senhor de Matosinhos, com um barulho tremendo, já que eram de
ferro e o eco repercutia-se naquele grande armazém.
Mesmo ao
lado ficava a casa do forno. No Inverno era uma maravilha brincar
ali. Mesmo sem estar a trabalhar ele mantinha-se de tal maneira
quente que a “Rolanda”, a empregada doméstica, que eu imagino se
chamaria Orlanda, fazia um bolo para o lanche e lá o cozia
rapidamente. E que bem que sabia a acompanhar o chá das cinco.
Mas não
ficava por aqui a brincadeira _ depois do pátio de acesso à
residência, ficava um barracão que servia de garagem onde
descansava um automóvel, digo descansava porque nunca o vi sair de
lá mas que era bonito, lá isso era. Linhas quadradas, alto, achava
eu, mesmo em cima do estribo não lhe via a parte superior e, muito
brilhante. Ali fazíamos as nossas viagens imaginárias.
Foi lá
que pela primeira vez vi garnisés e rolas. Os primeiros sempre em
luta, as rolas eram a música de fundo daquela casa que recordo com
saudade.
Os outros
vizinhos que gosto de recordar viviam exactamente por cima da Padaria
do Sr. Tavares _ uma residência maravilhosa, que ocupava o primeiro
andar sobre toda a área da padaria.
Vivia lá
um casal idoso, a D. Maria e o Sr. Guimarães e o tal Julinho (já
citado por fazermos bolinhas de sabão) que creio que era sobrinho ou
afilhado e não estava lá sempre.
Quem lá
passa hoje, não consegue imaginar a casa que era naquele tempo:
lindos tetos em baixo relevo, lambris em madeira até meia altura
nas paredes sobre os quais, na sala de jantar, estava exposta uma
grande colecção de chávenas de diversos formatos, cor e motivos,
mas que tinham a particularidade de todas terem o seu interior
dourado. Então eu dizia à minha mãe “a D.Maria deve ser muito
rica porque tem chávenas de ouro”. Mas
o que mais me encantava naquela sala era o enorme piano de cauda que
o Sr.Guimarães raramente tocava, com pena minha que gostava muito de
ouvir. Quando, sorrateiramente, me chegava junto para tocar uma ou
outra tecla para ouvir o som, lá vinha a D.Maria, com pequeninos
passos de corrida “ai ai, não se mexe”.
Outra
casa que recordo, apesar de lá só ter entrado uma vez, era de uma
família de pescadores, em frente à Padaria Lamecense. A Senhora
Maria que se dava muito bem com a minha mãe e oferecia-lhe peixe
muitas vezes, um dia levou-me para almoçar lá em casa. A
curiosidade que me fez nunca esquecer esse dia é que não havia
mesa nem pratos _ o almoço era no chão da sala, sobre uma toalha no
meio da qual estava um enorme prato cheio de batatas cozidas onde as
pessoas pegavam uma de cada vez. Depois apareciam as sardinhas
assadas. Perante a minha indecisão, alguém me trouxe um pratinho e
um garfo para eu comer como sabia. Soube depois pela minha mãe que
era um costume antigo em Matosinhos e que em casa dos meus avós,
quando ela era criança, esse costume era seguido na noite da
Consoada de Natal.
3.
A MUDANÇA PARA O CORREIO NOVO
O
acto de mudar de casa está completamente apagado na minha memória,
o que me leva a pensar que me terão mandado para casa dos meus avós
nessa altura.
O
que tenho bem gravado foi o dia em que lá vi uns senhores que eu não
conhecia, de fatos escuros e chapéus a andarem por toda a casa e o
meu pai no meio deles _ foi o dia da inauguração.
Também recordo o dia em que fiz cinco anos porque fiquei com uma foto. Acho que não tenho nenhuma anterior.
Também recordo o dia em que fiz cinco anos porque fiquei com uma foto. Acho que não tenho nenhuma anterior.
A
adaptação à nova casa foi boa. Ali tudo era grande e airoso. E a
rua? Uma maravilha. Carros eléctricos, automóveis, gente, muita
gente. O meu posto de eleição era a janela. Logo de manhã via os
funcionários da Câmara a entrar ao serviço, o corre corre dos
empregados das lojas e tudo o que fazia parte da vida da nossa vila:
as padeiras de canastra à cabeça com o saco branco donde saía
ainda o vapor do pãozinho quente; a leiteira com a canada à cabeça
sobre uma rodilha;
o
vendedor de azeite na sua carroça puxada por um burrinho, com os
cântaros munidos de torneira e as almotolias, tudo muito
reluzente. Estes também vendiam petróleo e o álcool desnaturado
tão necessário para pegar as máquinas a petróleo; as peixeiras
com os seus pregões característicos. Eu gostava muito que a minha
mãe comprasse peixe, não pelo peixe propriamente, mas porque as
peixeiras traziam sempre, num cantinho da canastra, embrulhadas num
paninho branco, as famosas camarinhas, de que eu tanto gostava e que
nunca mais vi.
Sem
que se falasse ou pensasse sequer em reciclagem, o certo é que todos
os meses lá aparecia a farrapeira que nos comprava o papel velho
que juntávamos num saco de serapilheira. Também nos comprava os
trapos que sobravam da costura e que serviam para fazer liteiros.
Em
determinados dias de cada mês, quando eu acordava, ouvia um
burburinho que me fazia correr para a janela. O que era? Era o dia de
aferir balanças em que os vendedores ambulantes, carregando as
ditas, aguardavam em grandes filas, à porta da Câmara, mais
propriamente, à porta do aferidor, que tinha entrada independente.
O
facto da rua Brito Capelo ser, naquela época, o centro da vila, para
mais, junto dos Paços do Concelho, dava-me o privilégio de poder
assistir a todos os acontecimentos de camarote. Recordo a
visita do Presidente do Brasil, Café Filho, em 1955, a da Rainha
Isabel ll em 1957 a quem acenava com bandeirinhas dos respectivos países assim como todo o tipo de eventos que tinham o seu ponto alto junto à
Câmara.
Muitos
outros pequenos apontamentos surgem por vezes na minha mente, não
por saudade do tempo que já lá vai, mas grata por os ter vivido e
poder recordá-los.
4.
A ESCOLA
Só
pude entrar na primária com 7 anos feitos pelo que, um ano antes,
fiquei triste por não poder ir para a escolinha. Os meus pais
pediram à professora da Escola dos Sinos D. Aninhas, de quem eram
amigos, que me deixasse assistir às aulas dela. E lá passei a ir à
escola todos os dias, com pasta e lousa para uma sala da 4ª classe.
Como as meninas eram mais crescidas, muitas queriam ser a minha
professora e era um tal mandarem-me fazer algarismos, letras e
desenhos, o que eu cumpria com gosto.... até à hora do recreio. Aí,
havia uma casinha de bonecas onde brincavam as netas da professora e
lá ficava a brincar com elas até à hora do almoço.
No
ano seguinte, a escola a sério, foi na chamada Escola do Macário,
na rua 1º de Dezembro. O nome advinha-lhe de uma mercearia que havia
em frente, com esse nome. Também lhe chamavam escola da D. Lídia,
porque era a professora que lá residia. O verdadeiro nome nunca o
conheci. Ali fiquei três anos. Na 4ª classe, a professora foi
colocada noutra escola, e a turma, quase toda, quis acompanhá-la.
Fomos então para a chamada “Escola do Bairro” também conhecida
por “Escola do Tarrafal” que tinha melhores condições que a
anterior, típica do Estado Novo mas que, para mim, ficava muito
longe de casa, então o meu irmão, à hora do almoço, ia buscar-me
e levar-me na Cucciolo do meu pai, o que muito me agradava.
Hoje já não existe. No seu lugar está o Centro Cívico de
Matosinhos.
Na
escola primária do meu tempo não havia TPCs, eram chamados
“deveres”.
Eu
fazia os deveres na estação de correios, numa secretária perto do
gabinete do meu pai. Assim, os meus deveres nunca iam errados, porque
as funcionárias passavam por mim de vez em quando, punham um olho
aos meus trabalhos e, se houvesse erro, chamavam-me a atenção.
Maravilha.
Deveres
feitos, ficava com tempo para andar por ali, e percorria os diversos
serviços acompanhando as funcionárias que eram muito minhas amigas.
Lembro com saudade a D. Maria (dos óculos) que era a funcionária
mais antiga, a Talinha Reina, a D. Escília ( a francesa), a D.Maria
da Glória que ,tendo uma filha da minha idade, por vezes, nas
férias, levava-me para casa dela para brincarmos.
Também
recordo com carinho os carteiros meus amigos: O Sr. Abreu,era o mais
velho, o Afonso, o Santos que parecia um actor de cinema ( achava eu
) , o Vicente, boletineiro, sempre a correr na sua bicicleta para
entregar os telegramas.
Outra
coisa que recordo desses fins de tarde era o que eu chamava
“levantos”.O que era isso? Era um termo só meu. O meu pai saía
da estação às 20 h, mas antes tinha de fazer contas e guardar o
dinheiro no cofre. A minha ajuda consistia em fazer montinhos de
moedas do mesmo valor; depois o meu pai embrulhava cada montinho em
papel de seda e escrevia o valor. Adorava fazer esse trabalho.
Casa onde funcionou a Escola do Macário
1ª classe na Escola do Macário
4ª classe na Escola do Tarrafal (ou do Bairro)
5.
DOENÇAS E OS REMÉDIOS CASEIROS DA MINHA MÃE
Raramente
ia ao médico, as doenças eram tratadas pela minha mãe. Assim, se
doía a garganta _ colherinhas de sumo de limão com açúcar, a
escorregar devagarinho pela garganta;
se
tinha tosse _ xarope de cenoura com açúcar mascavado, mas se a
tosse vinha lá mais do fundo e fazia doer o peito _ emplastros de
papa de linhaça;
para
a gripe tinha um remédio muito bonito _ num prato fundo colocava
açúcar e uma boa dose de água-ardente. Depois chegava-lhe um
fósforo e aquilo começava a arder. Com uma colher ia mexendo o
preparado e o fogo subia bem alto e muito colorido. Eu, já deitada,
esperava que aquele fogo acabasse, sinal de que já não havia
água-ardente e, às colheradas, lá ingeria o xarope que restava.
Depois, era dormir muito quentinha, e de manhã estava boa;
se
me sentia fraca, cansada _ sopas de cavalo cansado, que consistiam em
fatias de pão polvilhadas de açúcar e canela e cobertas com vinho
tinto quente;
ou
então, as belas gemadas que tinham de ser feitas com ovos de
confiança.
Todos
estes remédios tinham a vantagem de serem muito docinhos pelo que
nunca os recusei. Ao hospital só fui uma vez, para visitar o meu
primo António Paiva, que tinha sido operado no Hospital de Santo
António mas, não consigo lembrar-me se foi em casa ou no caminho
para o hospital, engoli uma moeda de cinco tostões. Sei que, quando
lá cheguei me deram um medicamento e sentaram-me num bacio ou vaso
de noite, vulgo penico, ao lado da cama onde estava o meu primo e,
enquanto durou a visita ali estive eu, no meu tratamento, o qual
surtiu seu efeito para gáudio de toda a assistência.
6.
A CASA DOS MEUS AVÓS
Os meus
avós, avô General e avó Micas, moravam na rua Álvaro Castelões,
mesmo em frente à Escola dos Sinos. Adorava lá estar. A casa ainda
existe, embora renovada, mas o que me encantava era o quintal,
enorme, para além do pátio, com árvores e horta,.Tinha um grande
tanque em pedra e a bomba de puxar a água era uma roda de ferro
enorme. A esta distância, eu já não sei se essa roda não seria de
um tamanho normal, eu é que era muito pequena. Esse quintal há
muito que desapareceu para dar lugar ao prédio onde hoje está o
Café Sinos.
Mas o que
eu gostava mesmo era de brincar na rua. Acompanhada pelo meu primo
Duarte jogávamos ao cabazinho. “ Cabazinho”, era a tampinha
metálica com os bordos ondulados das laranjadas, pirolitos ou outras
bebidas. O jogo consistia em fazer o cabazinho deslizar pela guia do
passeio, ultrapassando cada junção das pedras com o impulso do dedo
médio sob a pressão do polegar e, sem que caísse do passeio,
claro. O que nos divertíamos nesses pequenos campeonatos. Ah! Ainda
não passavam lá autocarros.
Nessa casa
também brinquei muito com as minhas primas Zezinha e Tatão durante
o tempo em que lá viveram antes de irem para Angola com os pais.
Os meus avós maternos em 1953
7. A AVÓ
VELHINHA
A
avó velhinha era avó do meu pai e vivia na rua Roberto Ivens com um
casal de primos do meu pai. Era mesmo velhinha, pois faleceu com 111
anos, em 1950. Lembro-me de a visitar com a minha mãe mas, o que
melhor recordo é que, pelo Natal, íamos levar-lhe Bolo-Rei e na
Páscoa o Pão-de-Ló e amêndoas. Achava-lhe muita graça porque ela
punha logo uma amêndoa na boca sem dentes e fazia carinhas cómicas.
Esta
avó foi notícia no jornal no dia em que fez 105 anos pelo facto de
ainda fazer renda sem necessitar de óculos.
A minha bisavó paterna no Jornal "A Voz de Matozinhos"em 1944
8. OS
PICNIQUES
Os
picniques eram uma constante na nossa família. Talvez porque na
minha infância os meus irmãos eram já jovens adultos, organizavam
grandes picniques em família extensivos aos seus amigos. Realizam-se
em lugares muito aprazíveis ali para os lados de Manhufe ou do Monte
Castêlo.
Havia,
no entanto, um picnique que se realizou anualmente, desde que eu me
conheço, ininterruptamente, enquanto o meu pai viveu. Era no dia 15
de Agosto, em Santa Cruz do Bispo, mais exactamente no Monte de
S.Brás.
O
motivo era uma promessa da minha mãe à Senhora da Saúde, que ela
cumpria fervorosamente, indo a pé, de casa até à Igreja de Santa
Cruz do Bispo para assistir à missa de festa; de início com o meu
irmão ao colo, visto que a promessa era pela saúde dele, muito
precária enquanto pequenino, depois pela mão e, pela força da sua
fé, assim continuou, anos fora, até caminhar amparada pelo seu
braço forte e saudável. Quando já não era humanamente possível
cumprir a promessa a pé, o meu irmão passou a levá-la de carro
para assistirem à missa. E assim foi até aos seus maravilhosos cem
anos.
Voltando
ao picnique _ então a família e amigos aproveitavam esse dia e
todos seguiam a pé, com os cestos do merendeiro, o garrafão e tudo
o que era necessário para um dia bem passado ao ar livre. A
miudagem, onde me incluía, carregávamos almofadas e liteiros e
fazíamos o caminho cantando e rindo na maior alegria. Chegados a
Santa Cruz, paragem para descanso. Os que tinham interesse em
assistir à missa entravam logo na igreja, porque não era fácil
arranjar lugar sentado já que a missa era de festa, o sermão bem
longo e, demorava duas horas. O restante pessoal, ou ficava pela
Quinta do Bispo ou ia andando para o Monte de S.Brás onde se
realizava o picnique. O repasto só começava depois das 13,30 h,
quando chegavam a minha mãe, o meu irmão e quem os acompanhava. Oh!
Maravilha. O arroz de açafrão chegava lá quentinho, no tacho bem
embrulhado em panos e depois em jornais. Os variados acompanhamentos,
quentes ou frios, conforme o que era destinado previamente, o certo
é que, tudo sabia pela vida. O melão, a melancia e a regueifa
eram comprados junto à igreja, já que, sendo dia de festa, havia lá
uma feirinha. Acabada a refeição, uns dormiam, outros faziam jogos,
dançar, cantar, subir a escadaria até ao Homem da Maça _ era tudo
à vontade de cada um. Mas o melhor da festa, para mim, vinha depois,
no regresso. Cestos arrumados, investigação ao local para que não
ficasse o mínimo vestígio, descíamos até ao Rio Leça, ali bem
perto, e chegados ao moleiro atravessávamos a pequena ponte para
subir depois o monte, autentico corta mato, até ao apeadeiro do
comboio que nos trazia até à Estação de Leixões. Recordo uma vez
em que o rio ia muito cheio e passava sobre a ponte, tivemos que nos
descalçar para a passar, mas a minha avó, que usava sempre meias,
mesmo em Agosto, não se quis descalçar e passou a ponte numa
cadeirinha feita a quatro mãos de dois dos homens do grupo.
A
viagem de comboio era uma aventura. Além da tralha que trazíamos de
volta, ainda colhíamos ramos de eucalipto, urze e alecrim dos campos
por onde passávamos.
Mas
o dia ainda não chegara ao fim _ apeados do comboio, atravessávamos
a estrada e em frente voltava a ser campo e que lindo que era, sob a
luz do entardecer. Voltávamos a assentar arraiais para dar cabo do
que restava do farnel. Ao lusco-fusco, com os cestos vazios,
regressávamos então, cada qual a sua casa, felizes por um dia bem
passado.
Este
era o procedimento habitual, do dia 15 de Agosto, diferindo apenas no
número de pessoas: a família ia sempre, os amigos é que poderiam
ser em maior ou menor número. Mas houve um ano, teria eu 6 ou 7
anos, foi diferente porque tive de integrar a procissão vestida de
anjinho: o meu tio João estava muito doente. Então a minha mãe,
com a sua devoção na Senhora da Saúde, de Santa Cruz do Bispo,
como já citei, prometeu, pelas suas melhoras, levar-me de anjinho,
na procissão daquele dia de festa mas, com a condição de o meu tio
pagar os meus sapatos. Esta história era contada muitas vezes, com
graça, já que o meu tio, que não tinha tanta fé, mas queria
curar-se, disse logo que sim, que pagaria os sapatos que ela
escolhesse. Ele curou-se e eu ganhei os sapatos mais bonitos até
aquela data _ de verniz branco, impecáveis.
Picnique na Ponte do Carro em 1950
Picnique no S. Brás
Procissão em Santa Cruz do Bispo em 1949
9. OS MEUS
IRMÃOS
Dos
meus queridos irmãos guardo as mais ternas recordações. Pela
grande diferença de idades, desde sempre me dispensaram um carinho
enorme que eu sempre retribuí com todo o amor, como se fossem os
meus segundos pais.
Ao
meu irmão, sempre tratei por Zé, enquanto que, à minha irmã _ a
Quininha _ sempre tratei por mana. Ainda hoje é assim.
A
mana sempre cuidou de mim: preparava-me para ir para a escola,
confeccionava a minha roupa e, que lindos vestidos ela me fazia,
muitas vezes com o aproveitamento de roupas usadas, dela própria ou
da minha tia Fernanda, ou de tecido novo quando era para estrear nas
festas: Natal, Páscoa e Senhor de Matosinhos _ tinha sempre direito
a roupa nova.
Os
meus pais raramente faziam férias, mas a mana e eu íamos para casa
de amigos passar alguns dias. Apesar dela já ser adulta, os nossos
pais não a deixavam ir sozinha, daí a minha sorte, que bem gostava
de a acompanhar: ora numa casa de lavoura, em Leça do Balio, onde
acompanhávamos todo o trabalho desde a apanha de fruta e legumes,
alimentar os animais, recolher os ovos e, o melhor da festa – a
desfolhada no fim do Verão, ora em Penafiel ou Lousada mas, as
melhores férias, eram as de Leça do Balio.
Pela
minha parte, a único serviço que prestei à mana, foi servir-lhe de
“pau de cabeleira” quando ela estava a namorar. Não sei se ela
gostava muito, mas era uma imposição da nossa mãe.
O
Zé começou cedo a trabalhar e, além dos mimos que me dispensava,
oferecia-me o que eu mais gostava desde que aprendi a ler _ livros
infantis. Troquei de boa vontade os brinquedos pelos livros e sempre
que podia, refugiava-me com eles no meu cantinho predilecto, onde
havia um pequeno sofá e um candeeiro de pé, feito com canas da
Índia, pelo meu próprio irmão que era _ e ainda é _ muito
habilidoso. Recordo dessa altura, peças de decoração em ferro
forjado e um cão quebra nozes que ainda existe. O seu bom humor
animava as festas em família assim como o nosso dia a dia _ ele
contava anedotas, cantava, fazia poemas que adaptava a músicas então
em voga, ora brejeiros, ora mais elaborados se se destinavam às
festas da JOC (Juventude Operária Católica) à qual pertencia. Um
dia surpreendeu-nos quando decidiu fazer cerveja. Também aí se saiu
muito bem.
Profissionalmente
o Zé era electricista. Um dia, ouvi uma conversa entre os meus pais
e a minha irmã, sobre um jovem electricista que, estando a
desempenhar o seu trabalho, sofreu um acidente e morreu
electrocutado. Sabendo que o meu irmão tinha a mesma profissão,
fiquei de tal maneira assustada que, a partir daí, sempre que ouvia
uma ambulância, o meu coração batia mais forte e rezava para que
nada de mal lhe acontecesse. Este sentimento acompanhou-me por longos
anos e presentemente, muito mais desvanecido, ao som da ambulância
ainda associo essa ideia. Felizmente a sua carreira profissional
sempre correu bem e aposentou-se feliz e de boa saúde.
Eu e os meus manos em 1953
10.
FUTEBOL, CINEMA, PESCA À LINHA, ETC.
Para
todos estes passatempos eu era a companhia do meu pai. E como eu
gostava de ir com ele ao antigo campo de Santana, ver o nosso
Leixões. Apesar dele ser mais leceiro, íamos mais vezes ver o
Leixões que o Leça.
Às
cowboiadas no Constantino Nery, era eu que o acompanhava. A minha mãe
e a minha irmã só gostavam de ir ao cinema para ver o Errol Flinn,
Fred Astair, Ginger Rogers, Pedro Infante e outros do género
naquela época. É claro, os bilhetes eram gratuitos e os lugares
cativos _ fila 9 – nº 3,5 e 7 graças à magnanimidade do Sr
Sousa.
Também
na pesca à linha, quando o tempo estava agradável, lá ia com ele,
paredão fora, na Cucciolo, até à ponta do molhe sul. Vínhamos com
muitas fanecas no cacifo, lindas, douradas que agradavam muito à
minha mãe.
Um
pouco mais tarde, devia eu estar já na pré-adolescência, comecei a
acompanhar o meu pai aos eventos da Câmara de Matosinhos,
normalmente apresentados no Posto de Turismo, que consistiam em
concertos e exposições que eu adorava.
A Cucciolo (na época tinha uma almofada na grade bagageira onde eu me instalava
11. O NATAL
O
Natal da minha infância foi, durante mais tempo do que seria
suposto, uma quadra de sonho. Eu acreditei que era o Menino Jesus
quem punha os presentes no sapatinho. Por mais que as minhas colegas
da escola primária me dissessem que eu estava a ser enganada, eu não
acreditava nelas. “Na
minha casa é mesmo o Menino Jesus, só pode”. E
argumentava que a minha mãe sempre me dizia que não se podia
comprar, isto ou aquilo, que era muito caro, que não havia dinheiro
para essas coisas, enfim, durante todo o ano eu bem podia pedir
brinquedos...não havia. Chegava o Natal o Menino dava-me tudo o que
eu tinha pedido. Então no ano em que recebi a boneca mais bonita que
eu tinha visto no Bazar Galante e que nem ousei pedir, só olhava, aí
não tive dúvidas, a minha mãe nunca a compraria. Perante estes
argumentos as minhas colegas desistiam e diziam entre elas _ Ele
à minha casa não vai, eu sei que é a minha mãe.
Para
ajudar esta minha crença, toda a família armava o cenário
conveniente e, à distância, consigo aperceber-me de quanto eles se
divertiam: começava a época natalícia e a minha mãe e a minha
irmã saiam muitas vezes de casa mas não me deixavam acompanhá-las
_ “ficas em casa
à espera do perú que alguém cá vem trazer”_
e eu ficava. Foi assim ano após ano. O perú nunca me foi entregue.
Quando chegava era a minha mãe que o trazia.
O
avô General também fazia o teatro dele: era o último a chegar à
ceia porque saía tarde da fábrica. Então entrava na sala a correr
dizendo que tínhamos de nos despachar porque já tinha ouvido os
sininhos lá para os lados da fábrica, pelo que o Pai Natal estava
perto. Perante a minha ansiedade ele dizia “calma
que são muitas casas onde ele tem de entrar, ainda vai demorar”.
Só
por volta dos meus 8 anos é que começaram a deixar de tentar
enganar-me e devo confessar que senti uma grande desilusão, não só
pela perda daquela magia mas também por sentir que tinha sido mais
pateta que as minhas colegas.
12.
A PRÉ-JOC
Talvez
porque o meu irmão pertencia à Juventude Operária Católica, eu
também quis pertencer e lá me foram inscrever. Aos domingos, depois
da missa das 10 horas, íamos para a residência do pároco de
Matosinhos, ainda não existia Salão Paroquial, onde se faziam as
reuniões. Como era muito miúda fiquei numa classe intitulada
“Benjaminas” integrada na pré-JOC. Enquanto durou essa condição,
as reuniões pouco me diziam, mas o convívio era agradável. Mais
tarde, já a sério, era preciso estar com atenção e até prestar
provas em temas que tinham a ver com formação cívica e moral. Mas
o bom de festa eram mesmo “as festas”. _ Cantávamos, dançávamos,
recitávamos, ensaiávamos peças de teatro, era uma animação.
Foi através deste grupo que comecei a sair um pouco de
debaixo da asa da mãe.
Faziam os chamados “retiros” sobre determinados
temas, previamente tratados nas reuniões mas, o que melhor lembro,
era a parte lúdica _ uma vez foi no Liceu D.Manuel II, outra num
edifício em frente ao Palácio de Cristal outra ainda no Liceu
Luso-Francês _ em todos, após as cerimónias e as palestras, almoço
e tardes de jogos e brincadeira.
13.
O CICLO PREPARATÓRIO
Começava uma nova e importante etapa da minha vida.
Contrariando a vontade da minha mãe que não me queria tanto tempo
fora de casa, que queria que eu aprendesse costura e, como ela dizia,
coisas de menina, eu apoiava-me no meu pai, que sempre me incentivou
a estudar e vinha em meu auxílio sempre que surgia algum entrave por
parte da minha mãe. Sei que não o fazia por mal – era uma
questão de cultura _. Até aí, na família, só os homens iam além
da instrução primária. Foi assim com as minhas primas mais velhas
do que eu. Só a partir de mim se rompeu a essa barreira e,
felizmente, todas passaram a prosseguir estudos.
Tive a sorte entrar no ciclo no ano em que foi
inaugurada a Escola Industrial e Comercial de Matosinhos, no Palacete
Visconde de Trevões. Tive professores maravilhosos e óptimos
colegas, num ambiente de camaradagem e entre-ajuda que me faz
recordar esses tempos com saudade.
O gosto e especial interesse de alguns dos professores
nas actividades extra-curriculares, levaram a que a direcção da
escola contratasse um actor do Teatro Experimental do Porto, o Sr.
Ferreira, creio que aposentado, devido à sua idade, para preparar os
alunos, para as diversas festa que ali se faziam, principalmente no
Natal e no fim do ano lectivo. Tive a honra de participar em tudo:
recreação de quadros históricos, declamação de poemas de Camões
e Fernando Pessoa entre outros; bailados e folclore, para o que
também contrataram uma professora nessa área, a
Menina Celina que era acompanhada ao piano pela Senhora
sua mãe; e ainda no coral da escola, a cargo da professora da
disciplina de Canto Coral. O nosso grupo coral além de abrilhantar
as festas da Escola, participou também em missas de festa na Igreja
de Matosinhos, com muito sucesso.
Ainda em relação ao teatro recordo que também os
cenários eram produto interno, para o qual colaboravam os mestres
das oficinas _ Mestre Custódio e Mestre Victor.
Ao 3º ano da escola deixamos de ver o Senhor Ferreira,
mas tivemos o privilégio de passar a ser dirigidos pelo grande actor
João Guedes.
14.
A MOCIDADE PORTUGUESA
No
ano em que a escola foi inaugurada e, até talvez no ano seguinte,
não havia Mocidade Portuguesa Feminina. Só masculina. Era vê-los
todos garbosos, nas suas fardas, ao sábado de manhã, a marchar ao
som dos tambores e a treinar os procedimentos nas paradas, sob as
ordens do Mestre Victor.
Um grupo de meninas, habitualmente muito bem
comportadas, no qual eu me incluía, decidiu imitá-los e, a uma
distância considerável, lá íamos fazendo o mesmo que eles.
O Mestre Victor não gostou, entendeu que estávamos a
troçar do trabalho dele e, vai daí, dirige-se ao Gabinete do
Director onde apresentou queixa do nosso grupo.
Todas ao Director. JÁ!! Disse a contínua _ Menina
Guilhermina _ aterrorizadas, lá fomos ao gabinete: o Mestre Victor
com cara de mau, que habitualmente não tinha, e o director que nos
conhecia muito bem, pois era nosso professor de Matemática, a
esforçar-se por parecer mau. Quis saber o que nos tinha passado pela
cabeça e entendeu muito bem que o que fizemos não foi por mal,
antes pelo contrário. No fim de contas, o que queríamos era também
pertencer à Mocidade Portuguesa.
No ano seguinte iniciavam-se na escola as actividades
da Mocidade Portuguesa Feminina. Não era obrigatório mas, para
tomar parte em determinados eventos era necessário comprar a farda.
Por esse motivo, nem todas as que queriam puderam aderir. Mais uma
vez, com a minha mãe contra e com o meu pai a favor, compraram-me a
farda. A minha mãe era contra porque já imaginava que ia ser
motivo para eu estar mais tempo fora de casa. E não se enganou. A
primeira saída foi para o funeral do então Presidente da Câmara _
Dr. Aroso. Foi em Lavra e chovia torrencialmente, daí não ter
esquecido esse dia. Outros eventos e pequenos acampamentos estão um
pouco vagos na minha memória, mas há um que valeu por todos em que
adorei ter participado _ a inauguração do Padrão dos
Descobrimentos em Lisboa _ é que foram uns três ou quatro dias
fora de casa, com amigas, em que a graduada que nos acompanhou era
pouco mais velha do que nós mas conhecia muito bem Lisboa. Ficamos
hospedadas numa instituição cujo nome não recordo, mas que tinha
óptimas instalações onde dormíamos e fazíamos as refeições do
pequeno almoço e jantar enquanto que os almoços eram na cantina do
Instituto Superior Técnico. Além da
zona de Belém, tivemos tempo para conhecer a baixa de
Lisboa e a zona circundante às instalações onde ficamos. Foi uma
experiência óptima.
15.
O ORFEÃO DE MATOSINHOS
Foi, sem dúvida, a minha segunda casa, durante a
infância e adolescência. O meu pai ia lá tomar o seu cafezinho
depois do almoço e do jantar e eu, muitas vezes acompanhava-o. Além
disso, à época, aquela colectividade fervilhava de eventos _ era o
coral com os seus frequentes concertos, os grupos de variedades, o
grupo cénico infantil, ao qual tive a honra de pertencer, os
animadíssimos bailes que provocavam enchentes naquele salão que
tanta saudade deixou aos seus frequentadores. Durante muitos anos a
passagem de ano da minha família foi sempre no OM, assim como o
Carnaval, o S.Martinho e qualquer data que merecesse festejo, lá
estava o Orfeão de portas abertas para bem receber os seus
associados com belos saraus ou simples bailaricos ao som das melhores
orquestras. A tudo eu assistia com o maior agrado. Mas também tomei
parte activa, por vezes. Recordo uma pequena peça de teatro ali
representada pelo grupo cénico infantil _ tratava-se de uma reunião
na corte de D.João V, com o real casal no seu trono, ladeados pelos
príncipes, pagens, bobos, etc. Os convidados entravam em cena
depois de anunciados pelo arauto, todos de sangue azul, é claro.
Apesar de me lembrar muito bem de todos os amigos que participaram,
até porque tenho uma foto do grupo, o nome das personagens está
esquecido, a não ser o meu próprio que, a par do Joel Moreira (que
Deus tenha) formávamos “os Marqueses do Não te Rales” e o da
minha prima Maria Helena que, com o Jorge Moreira formavam “os
Barões do Chega Tarde”. A curiosidade destes nomes é que foram
dados à posteriori , durante os ensaios, de acordo com as
características dos intervenientes: enquanto que os primeiros
entravam em cena com toda acalma do mundo, os segundos entravam
apressados como se algo os perseguisse. Tenho pena de não recordar o
nome das outras personagens mas, já lá vai mais de meio século...
Pelo Carnaval participava sempre nos divertidos
concursos de fantasias.
Mais tarde, já na pré-adolescência, participei no
Concurso do Vestido de Chita, organizado pelo OM do qual guardo a
foto a receber o prémio de 2ª classificada com a respectiva tiara
de princesa.
Grupo Cénico Infantil do OM
Recriação da festa Infantil no pátio da Casa Angola (não havia fotos da récita)
Sendo o propósito deste apontamento relembrar apenas
momentos da minha infância, não dá para alongar mais senão
referir o quanto fui feliz e que devo essa felicidade aos meus
queridos e saudosos pais e aos meus muito queridos irmãos Zé e Mana
(Quina), bem hajam.
Leça da Palmeira, 24 de Janeiro de 2014
sábado, 18 de agosto de 2012
Aniversário natalício
Dia 18 de Agosto de 2012. A minha querida Mãe faria hoje 101 anos, mas partiu há cerca de 5 meses.
Já não há a grande festa familiar de muitos anos, mas reunimo-nos numa missa em sua memória.
Uma memória feliz de doce saudade.
Ocorreu-me então que:
Já não há a grande festa familiar de muitos anos, mas reunimo-nos numa missa em sua memória.
Uma memória feliz de doce saudade.
Ocorreu-me então que:
Lá, no mundo sem peso nem volume,
Brilha o que de bom se fez na vida
_ Tudo em luz se resume _
E prossegue a festa à Mãe querida.
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